sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Extratos feitos a partir de plantas e ativos nanoencapsulados são tendência entre pequenas empresas brasileiras

DINORAH ERENO | Edição 190 - Dezembro de 2011
Revista Pesquisa FAPESP
© GABRIEL BITAR

Novos mecanismos moleculares com ação contra flacidez e rugas descobertos no picão-preto (Bidens pilosa) resultaram em um ativo cosmético que funciona de forma semelhante ao retinol, sintetizado a partir da vitamina A. Premiado em 19 de outubro como o melhor trabalho científico apresentado no 20º Congresso Latino e Ibérico de Químicos Cosméticos em Isla Margarita, na Venezuela, o projeto reuniu o conhecimento do farmacologista e fitobotânico Luiz Claudio Di Stasi, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, e a experiência da empresa Chemyunion, de Sorocaba, ambas no interior paulista. A gramínea, considerada uma espécie invasora no campo, mostrou em testes ter benefícios similares aos dos retinoides, receitados nos consultórios dermatológicos em razão do seu poder de regeneração celular e síntese de colágeno, mas sem os seus efeitos adversos, como irritação cutânea, descamação e ardência.

A inovação está sendo testada por uma indústria brasileira do setor de cosméticos e vem se somar a outras descobertas de ativos e aditivos vegetais feitas pela Chemyunion em parceria com universidades, transformados em produtos de reconhecidas empresas nacionais e internacionais, como Natura, O Boticário, L’Oréal, Estée Lauder, Victoria’s Secret, Johnson & Johnson e Medley, entre outras.

Um dos primeiros produtos inovadores a se destacar no disputado mercado de beleza foi o Aquasense, lançado em 2008 e desenvolvido com apoio da FAPESP por meio de um projeto do programa de Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe). Antes disso a empresa, com 19 anos no mercado, trabalhava com matérias-primas prontas incorporadas pelas indústrias a medicamentos e cosméticos. O Aquasense é um extrato feito com a casca dos galhos do angico-branco (Piptadenia colubrina), uma árvore de grande porte da mata atlântica, indicado para uso em cremes, loções e outros produtos com o objetivo de aumentar a hidratação da pele. Argentina, Colômbia, Rússia e Estados Unidos estão entre os países compradores da matéria-prima, desenvolvida a partir da descoberta das aquaporinas – proteínas que permitem a passagem de água entre as células – pelo norte-americano Peter Agre. O achado lhe rendeu o Prêmio Nobel de Química em 2003. “Ao entrar na pele, o Aquasense estimula a célula a expressar a aquaporina e a água começa a ser distribuída, gerando a hidratação”, diz Gustavo Dieamant, gerente de pesquisa e inovação da empresa.

O foco da pesquisa iniciada em 2004 era buscar um ativo hidratante em uma planta da biodiversidade brasileira que estimulasse o mecanismo de síntese das aquaporinas. Para isso, uma das sócias da Chemyunion, Maria Del Carmen Velazquez Pereda, procurou o professor Di Stasi, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Biociências da Unesp, autor de várias publicações sobre plantas medicinais da Amazônia e da mata atlântica. O pesquisador, que passou a fazer parte da equipe científica da empresa como consultor, pesquisou plantas da flora brasileira com potencial hidratante e reparador da pele.
© LEO RAMOS

Frutos do camapu e extratos da planta: atividade anti-inflamatória similar à dos corticoides

Dentre elas, a escolha recaiu sobre o angico-branco. Mas era preciso provar na prática que ele realmente seria capaz de expressar o mecanismo de interesse. No caso do angico-branco, a casca dos galhos é triturada em pequenos fragmentos, dos quais se obtém um extrato que contém uma classe de polissacarídeos chamada arabinogalactanas, responsável por estimular a célula a expressar as aquaporinas. Com isso elas transportam mais água para a pele, deixando-a hidratada. O mecanismo de hidratação do extrato do angico-branco resultou na publicação de artigos em revistas científicas e prêmios em congressos, como o da Sociedade Brasileira de Cosmetologia em 2008.

Foi a partir do primeiro projeto Pipe da FAPESP, submetido em 2006, que a Chemyunion conseguiu comprar alguns equipamentos que permitiram extrair e testar seus novos ativos. Entre eles estão um extrator de fluido supercrítico, que utiliza gás carbônico (CO2) na fase de transição entre os estados líquido e gasoso para obter extratos vegetais com altíssimo grau de pureza, e um aparelho chamado Laser Doppler que identifica em tempo real a microcirculação cutânea e as características da pele sensível.

Outro produto desenvolvido pela empresa também com apoio do projeto Pipe, atualmente em testes por uma empresa brasileira da área de cosméticos, é um ativo extraído da planta camapu (Physalis angulatu) – arbusto originário da Amazônia e das regiões Norte e Nordeste – com atividade semelhante à dos anti-inflamatórios corticoesteroides, mas sem os efeitos colaterais de uso a longo prazo, como ressecamento e envelhecimento da pele. Tanto a extração do camapu como a do picão-preto é feita pelo chamado processo de extração por CO2 supercrítico. “Quando o gás carbônico é injetado no equipamento, ele atravessa a planta e arrasta os ativos”, diz Dieamant. Ao eliminar o gás, não sobra nenhum resíduo de solvente, como nos processos tradicionais de extração. Da planta, obtém-se uma pasta que, misturada a um meio apropriado, possibilita dar início ao processo de triagem.

“A proposta no caso do camapu foi a de buscar ativos com ação anti-inflamatória, similar aos corticoides, muito utilizados hoje para tratar problemas da pele e do couro cabeludo, como coceiras, eczemas e caspa”, diz a bióloga Juliana Tibério Checon, que trabalhou com a planta durante o seu mestrado em farmacologia na Unesp de Botucatu, orientada por Di Stasi, e hoje faz parte da equipe de pesquisa e desenvolvimento da empresa. “Investigamos dentro de plantas da flora brasileira ativos que tivessem o mesmo benefício dos corticoides usados atualmente, mas sem os efeitos colaterais”, diz Juliana. O estudo começou com a triagem de plantas in vitro para avaliar se em cosmética elas apresentavam os efeitos anti-inflamatórios indicados pelo uso tradicional das populações onde a planta é nativa.

Foram investigados vários mecanismos de ação do extrato da planta, desde a proteção ao calor, a reposição de colágeno e possíveis efeitos colaterais. Os estudos in vitro dos efeitos do ativo quando exposto ao calor foram feitos com fragmentos de pele descartados em cirurgias plásticas, como de pálpebras, obtidos com autorização do comitê de ética. Fragmentos de pele foram tratados com 0,1% do produto e outros não foram tratados, para servir de comparação. Em seguida foram colocados em estufa a 40°C durante 90 minutos, simulando o aquecimento provocado pela exposição solar, situação propícia ao desenvolvimento de processo inflamatório e consequente hiperpigmentação e formação de rugas. Todos os fragmentos foram marcados por imunofluorescência com anticorpos para colágeno. Em contato com a pele, o anticorpo emite luz quando se conecta ao colágeno e então é possível avaliar qualitativamente uma maior ou menor presença dessa proteína na pele.

“Na comparação entre os dois tipos de fragmentos é possível ver que o extrato de camapu conseguiu prevenir a perda de células e a quebra de fibras de colágeno”, diz Juliana. Os efeitos colaterais encontrados em corticoides também foram avaliados. Nessa análise, culturas celulares da pele foram tratadas com corticoides comerciais e com o ativo do extrato vegetal. “Em cinco dias de uso, os corticoides comerciais começaram a degradar o colágeno da pele, enquanto o ativo do camapu que desenvolvemos continuou a estimular a produção de colágeno.”

A necessidade de esmiuçar os efeitos reais dos produtos na pele deve-se às exigências das indústrias cosméticas, que antes de fecharem qualquer acordo comercial se certificam da real eficácia dos ativos. Para atender a um mercado ávido por novidades, a Chemyunion tem investido 7% em pesquisa e desenvolvimento, em média, do seu faturamento, que em 2010 foi de R$ 41 milhões. A equipe conta com 15 pessoas dedicadas à pesquisa, desenvolvimento e inovação, sendo três doutores e quatro mestres. O grupo inclui pesquisadores de várias especialidades, como síntese e extração de ativos vegetais, nanotecnologia, biologia celular e molecular e imunotoxicologia. Além da parceria com a Unesp, a empresa tem pesquisas em colaboração com a Faculdade de Farmácia da Universidade de São Paulo (USP) e com o Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na pesquisa realizada com o picão-preto, coordenada por Dieamant, a análise fitoquímica do extrato da planta revelou a presença de fitol e ácidos graxos, sinalizadores de possíveis ações anti-inflamatória, antioxidante e estimuladora de síntese da matriz extracelular, todas ligadas a um mecanismo de ação similar ao dos retinoides. Com base nisso, os pesquisadores avaliaram as atividades antioxidante (pela ação de enzimas específicas), anti-inflamatória (pela quantificação de mediadores inflamatórios como prostaglandina) e retinoide-like (pela medição do fator de crescimento dos componentes da matriz extracelular, como colágeno e elastina). Os resultados obtidos mostram que o extrato da planta funciona de forma parecida ao dos retinoides clássicos, que atuam no rejuvenescimento da pele, promovendo renovação celular bem rápida e eficiente, com diminuição de rugas, de manchas e aumento da elasticidade.

“A comprovação in vitro foi feita com anticorpos que marcam os receptores de retinoide na pele”, diz Juliana. Os retinoides podem atuar em dois receptores distintos, os ácidos (RARs) e os não ácidos (RXRs). Os receptores ácidos produzem uma resposta biológica mais intensa, o que pode desencadear efeitos indesejáveis. Como o ativo do picão-preto tem uma atividade pouco expressiva nesse receptor, isso pode ajudar a explicar por que ele apresenta benefício biológico similar ao ácido retinoico, porém em menor escala e sem os efeitos colaterais.

Alisamento capilar

A microempresa WSGB, de São Carlos, no interior paulista, também teve apoio do Pipe para desenvolver ativos na área cosmética. Um deles, um produto de alisamento capilar à base de enzimas, é o que está mais próximo de sair da bancada e ir para a prateleira. A fórmula, que utiliza um tipo específico de enzima chamada queratinase, cuja estrutura é similar à da queratina dos cabelos, despertou o interesse da Biominas, instituição que faz a ponte entre empresas que desenvolvem tecnologias e as que podem produzi-las em grande escala. “Até agora não existe nenhum produto no mercado para alisamento capilar à base de enzimas queratinases”, diz a farmacêutica Mônica Cristina Salvagnini, sócia da WSGB. A formulação tem um depósito de patente nacional. Outro projeto desenvolvido pela empresa, também com apoio da FAPESP, trata da modificação do dióxido de titânio para protetores solares. “Os protótipos que fizemos não apresentavam efeito esbranquiçado como os protetores solares com alto fator de proteção”, diz Mônica. No entanto, a demora em transformar em produto a inovação conseguida no laboratório tornou o desenvolvimento obsoleto e economicamente inviável, já que outras empresas lançaram produtos similares no mercado, com preço mais baixo do que o projetado pela WSGB. Nessa mesma linha de proteção solar, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, desenvolveu recentemente uma nanoestrutura que protege ao mesmo tempo contra as radiações UVA, que contribuem para o envelhecimento precoce da pele, e UVB, responsável por queimaduras e câncer de pele quando há exposição prolongada ao sol. Foi feito um depósito de patente nacional, mas os testes só terão início com o interesse de empresas pela inovação.

No Rio Grande do Sul, o conhecimento em nanotecnologia migrou da universidade para a indústria cosmética. Em junho de 2008, duas professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Adriana Pohlmann, do Instituto de Química, e Silvia Guterres, da Faculdade de Farmácia, associaram-se como sócias cotistas a duas ex-alunas, Renata Raffin e Candice Felippi, com doutorado e mestrado, respectivamente, na área de nanotecnologia, para criar a Inventiva. O objetivo era colocar no mercado uma empresa capaz de fazer a nanoencapsulação de ativos para a indústria cosmética. Alguns equipamentos utilizados na empresa, sediada em Porto Alegre, foram desenvolvidos em colaboração com engenheiros. “Desenvolvemos um processo próprio de produção de nanopartículas”, diz Renata. O apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), por meio de um projeto de subvenção econômica, foi essencial para o desenvolvimento de produtos e para o estabelecimento dos testes clínicos, de estabilidade e segurança dos produtos.

“As partículas que produzimos são ativos cosméticos nanoencapsulados, como vitaminas, óleos e extratos vegetais”, diz Renata. As nanopartículas, feitas de materiais lipofílicos (gordurosos), são vendidas para as indústrias de cosméticos usarem como ativos em formulações próprias tanto para a pele como para cabelos e unhas. Todos os produtos desenvolvidos pela Inventiva são vendidos com indicação de uso. Entre eles está, por exemplo, uma nanopartícula composta por cinco ativos com ação anticelulítica. Já o produto antirrugas leva dois óleos vegetais (de semente de uva e de linhaça) e duas vitaminas (A e E). As vendas, por enquanto, estão concentradas no mercado nacional. Mas a empresa procura distribuidores com atuação fora do país para estender seus domínios.

“O carro-chefe da empresa é um anticelulítico chamado NanoSlim Complex”, diz Renata, responsável pela parte de desenvolvimento de novas formulações. A primeira linha lançada tinha 13 produtos. Hoje são 23 no portfólio e outros três já estão prontos para serem lançados. “A cada seis meses novos produtos são lançados”, diz. Os clientes querem ter sempre lançamentos diferenciados. “As vendas não são de grandes quantidades, mas de produtos variados.” Atual-mente trabalham na empresa as duas sócias, dois funcionários e sete bolsistas vinculados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), envolvidos com o desenvolvimento e a criação de formulações.

O tamanho médio das partículas da Inventiva varia de 130 a 150 nanômetros, que passam por um rigoroso controle de qualidade. Segundo a Comissão Europeia para a área de nanociências, um nanomaterial deve ter 50% das partículas com dimensão inferior a 100 nanômetros. Visualmente o produto se assemelha a um leite, sem necessidade de refrigeração. Os ensaios de segurança do produto foram feitos de acordo com a legislação europeia que não permite testes de cosméticos em animais. “Fizemos testes equivalentes in vitro, que mimetizam órgãos ou partes do corpo e dão a resposta se o produto é potencialmente tóxico, irritante ou agressivo”, diz Renata. Os testes mostraram que os produtos são seguros, não têm potencial de irritação nos olhos, não provocam mortes das células nem aumentam a oxidação delas quando expostos à luz. Com base nesses resultados, a empresa passou aos testes clínicos em humanos, feitos por empresas autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nessa etapa, são avaliados se o produto causa irritação acumulada após vários dias de uso, potencial alergênico, resposta pela exposição à luz solar, além do potencial de geração de cravos e espinhas. O resultado deu negativo em todos os quesitos para todos os produtos avaliados. Foi feito ainda o teste de eficácia para verificar se eles tinham a ação proposta. “Tudo foi comprovado”, diz Renata.

A partir de abril deste ano, a empresa teve um bom crescimento nas vendas, após fechar parceria com duas grandes distribuidoras que representam não só a indústria cosmética como também a química, de medicamentos e matérias-primas. Além do mercado industrial, a Inventiva vende suas matérias-primas para as farmácias de manipulação.

Artigo científico

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