segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Fitoterapia popular e medicamentos fitoterápicos: uma grande diferença

O motivo de tanto debate sobre fitoterápicos teve início, principalmente, após uma entrevista concedida pelo médico ao site da revista Época, na coluna da jornalista Cristiane Segatto, publicada no dia 13 de agosto de 2012. Entre suas afirmações estão que o Ministério da Saúde, ao eleger oito plantas para serem distribuídas pelos Sistema Único de Saúde (SUS) - alcachofra, aroeira, cáscara-sagrada, garra-do-diabo, guaco, isoflavona da soja e unha-de-gato -, o que fez foi “criar uma medicina para pobres baseada em plantas que não têm atividade demonstrada cientificamente”. Suas afirmações revoltaram pesquisadores, professores, farmacêuticos e donos de laboratórios da área dos fitoterápicos. Alguns o acusam de estar beneficiando as multinacionais farmacêuticas. O uso de plantas medicinais no tratamento de doenças acontece há muito tempo. Com o avanço da química, os principais ativos das plantas passaram a ser isolados. Sintetizados em laboratórios, deram origem a drogas importantíssimas, alopáticas. Já os fitoterápicos são obtidos exclusivamente de vegetais, vendidos em forma de extrato, tintura, óleo, cápsulas etc. Para registrá-los como medicamentos, os fabricantes precisam provar que conseguem manter a qualidade e a concentração do princípio ativo presente na planta.

Chazinhos ou fitoterápicos?

Por citar bastante os “chazinhos” como tratamento para doenças, alguns poderiam imagina que Drauzio Varela se referia, especificamente, às misturas feitas em casa, sem indicação médica, e não aos fitoterápicos registrados, o que logo é esclarecido quando a repórter cita que existem produtos fitoterápicos registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e vendidos nas farmácias e pergunta se esses também não são submetidos a estudos para comprovar sua eficácia e riscos. O médico responde que estes são registrados na Anvisa como complemento alimentar, não passando pelo mesmo crivo de um medicamento. Segundo o médico, “se tivesse autoridade para isso, mandaria recolher do mercado todos os fitoterápicos cuja eficácia não tenha sido demonstrada cientificamente”.

Baseado nesta afirmação, Eduardo de Jesus Oliveira, pesquisador na área de controle de qualidade de produtos fitoterápicos, explica que a legislação brasileira para registro de medicamentos fitoterápicos da Anvisa é uma das mais avançadas e rigorosas do mundo, tendo, inclusive, servido de modelo para outros países estruturarem suas leis. “A legislação atual para registro de medicamentos fitoterápicos é a RDC 14/2010 da Anvisa, que revogou a norma anteriormente vigente de 2004. A Anvisa nunca considerou os medicamentos fitoterápicos como complemento alimentar. Os medicamentos fitoterápicos registrados na Anvisa merecem a mesma credibilidade e as mesmas precauções de uso que qualquer outro medicamento registrado pela agência”.

De acordo com Drauzio, o objetivo da série é mostrar que os fitoterápicos têm de ser estudados. “Têm de ser submetidos ao mesmo escrutínio ao qual os remédios comuns são submetidos”. Talvez o médico tenha pecado ao não distinguir, exatamente, a que fitoterápico se referia. Existe a fitoterapia popular e os fitoterápicos. A fitoterapia popular, feita de forma caseira, é associada a chás e garrafadas. Nela é utilizado o extrato homogêneo da planta, por isso não é isento de riscos. E, como não possui estudos científicos, sua eficácia e segurança não são comprovadas. Já os fitoterápicos, segundo RDC n°48 de 16 de março de 2004 da Anvisa, é o medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais. Sua eficácia e segurança são comprovadas através de ensaios clínicos com animais, humanos saudáveis e doentes.

Testes

Autor do livro Monografias de Plantas Medicinais Brasileiras: Nativa e Aclimatadas, em colaboração com Benjamin Gilbert, e Coordenador Editorial da revista científica Fitos, que publica trabalhos sobre pesquisa, desenvolvimento e inovação em fármacos e medicamentos de origem vegetal, Lucio Ferreira Alves acredita que o oncologista “não entende nada do assunto”. “Drauzio deveria se inteirar da literatura antes de dar palpite sobre um tema que desconhece totalmente. Por exemplo, a atividade antimicrobiana e anti-inflamatória da aroeira (Schinus terebinthifolius) e a ausência de efeitos tóxicos foi demonstrada. A leitura do artigo Acute e subacute toxicity of Schinus terebinthifolius bark extract, publicado no Journal of Ethnopharmacology, volume 126, página 468-473 (2009) será útil. As atividades broncodilatadora, antimicrobiana e analgésica do gauco (Mikania glomerata, M. laevigata) estão demonstradas em testes realizados com animais em laboratório. O mesmo pode ser dito sobre o valor da unha-de-gato (Uncaria tomentosa, U. guianensis) como anticancerígeno. Neste caso, seria interessante consultar o artigo Treatment of chemotheraphy-induced leukopenia in a rat model with aqueous extract of Uncaria tomentosa, publicado em Phytomedicine, volume 7, página 137-143 (2000)”, exemplifica.

Existem milhares de estudos feitos com espécies usadas em fitoterapia. Porém, grande parte realizado com animais ou pequeno número de pacientes, por curtos períodos. Para desenvolver uma nova droga sintética são necessários cerca de dez anos de pesquisa e milhões de dólares, além da comparação com tratamentos existentes e teste em grupo de até 1.000 voluntários. Daniel Deheinzelin, professor da Faculdade de Medicina da USP, afirmou em depoimento para a revista Época de 28 de agosto que pesquisou as evidências científicas relacionadas aos oito fitoterápicos oferecidos no SUS e não encontrou estudos desse tipo. De acordo com o pesquisador Eduardo Oliveira há estudos clínicos com todas as oito espécies consideradas pelo SUS, embora estes estudos sejam mais raros com as espécies de plantas medicinais nativas. “O Dr. Drauzio Varella está correto ao mencionar que os dados de eficácia e segurança são incompletos, ou mesmo inexistentes, para muitas das espécies de uso popular, mas há critérios bastante rigorosos do ponto de vista científico para as oito espécies que estão sendo consideradas para inclusão no SUS”. E completa: “pode-se discutir a extensão dos estudos clínicos disponíveis e a sua qualidade, mas acredito que esta discussão se aplica aos medicamentos sintéticos tanto quanto aos fitoterápicos. Uma grande esperança e expectativa da comunidade científica nacional é que a implementação da política de plantas medicinais traga mais estímulo às pesquisas de eficácia e segurança com muitas destas espécies nativas, no sentido de validar (ou refutar) seu uso tradicional”.

Medicamentos

É preciso lembrar que a fitoterapia é reconhecida como método terapêutico pelo Conselho Federal de Medicina desde 1992. O Brasil é um dos países com maior concentração de pesquisadores nesta área. “Muitas das substâncias mais eficazes para o tratamento de várias doenças são extraídas de espécies vegetais, como é o caso da morfina e de outros alcaloides como a vincristina, a vinblastina e o taxol”, exemplifica Eduardo Oliveira.

Sabino Pinho, professor de ginecologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ao citar, especificamente, sua área de atuação, reconhece que, de modo geral, a literatura mostra que há necessidade de pesquisas melhores delineadas (estudo duplo-cego, randomizado etc.) para o emprego dos fitoterápicos, por um longo período. “Tenho conhecimento a respeito de vários fitoterápicos que são empregados no tratamento de sintomas do climatéricos (distúrbios vasomotores). Os trabalhos são controversos sobre o uso desses medicamentos nestes sintomas, a maior parte não demonstrando uma ação terapêutica efetiva, principalmente quando comparados aos estrogênios (hormônio esteroide utilizado no climatério para tratamento dos sintomas)”. Em relação à Tensão Pré-Menstrual, Sabino afirma usar o fitoterápico Borago officinalis, com Ácidos Graxos Polisaturados, em forma de cápsulas gelatinosas. “Coordenamos, no Serviço de Ginecologia que dirigimos, uma aprovada tese de Mestrado (UFPE) de um estudo duplo-cego, controlado com placebo, mostrando uma ação terapêutica estatisticamente significante do produto, após seis meses de observação”.

A descrença nas ervas medicinais ocorre, muitas vezes, por seu uso ocorrer sem o devido controle. “A utilização de plantas medicinais e de medicamentos fitoterápicos deve ser feita sempre dentro das indicações a que se prestam, com a posologia, modo de uso e duração de tratamento adequados. Assim como o controle do uso de medicamentos sintéticos anorexígenos, benzodiazepínicos e antidepressivos é inadequado, com grande agravo à saúde da população, o abuso de plantas medicinais (geralmente com a falsa concepção de que por serem de origem “natural” não oferecem riscos) também é problemático”.

Diante da biodiversidade do Brasil (das 250 mil plantas catalogadas no mundo, 55 mil estão aqui), em conjunto com a necessidade da população por medicamentos, fica evidente que o país não pode desperdiçar todo seu potencial na área de fitoterápicos. É importante haver maior investimento tanto em pesquisas, quanto no controle de uso dos medicamentos. Quanto a isso, certamente, ninguém discorda.

Fonte: Acesso Brasil - Mercado e Políticas Públicas de Medicamentos
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