sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A utilização medicinal das plantas é prática antiga da sabedoria popular

Unha-de-gato para dores nas articulações, alcachofra para ajudar na digestão e aroeira-da-praia para inflamação vaginal são algumas soluções populares para males que acometem a saúde humana. Explorar o poder medicinal das plantas é prática antiga da sabedoria popular e, há alguns anos, começou a ter sua eficácia comprovada cientificamente em tratamentos fitoterápicos – aqueles que funcionam por meio exclusivo de matérias-primas vegetais.

“Os constituintes das plantas utilizadas para fins medicinais possuem substâncias químicas farmacologicamente ativas, que agem regulando, corrigindo ou alterando alguma função fisiológica, visando sua normalização”, explica Said Fonseca, professor de Farmacotécnica do Curso de Farmácia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

De acordo com Lara Soares, farmacêutica especialista em Saúde Pública, o tratamento pode ser realizado de forma mais simples, com chás e tinturas, e a partir de medicamentos tecnicamente elaborados pelas indústrias, com cápsulas, comprimidos e pomadas. “O tratamento fitoterápico é capaz de prevenir e curar enfermidades de forma tão eficiente quanto os medicamentos de uso convencional”, afirma.

Assim como outros tratamentos, a eficiência dos fitoterápicos depende de um bom diagnóstico, prescrição adequada e obediência às instruções do médico. “A fitoterapia, ainda deve receber outros fatores: a origem da planta, a forma de processamento até sua transformação em fitoterápico. Dependendo do caso, a fitoterapia sozinha pode ser responsável pela cura do paciente.”, afirma Said.

Fitoterápicos no SUS

Os estudos fitoterápicos se intensificaram depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1978, durante a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, constatou que, na maioria dos países em desenvolvimento, as populações utilizavam conhecimentos populares sobre plantas medicinais nos cuidados primários. Assim, a pesquisa ganhou investimentos para fomentar práticas realmente eficazes e corrigir aquelas que traziam algum tipo de risco para a população.

Em 2008, o Governo Federal instituiu o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que visa inserir de forma qualificada esse tipo de medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS). O programa estabelece as ações para as diretrizes da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que tem o objetivo de “garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional”, segundo consta no site do Ministério da Saúde. 

No ano seguinte, em 2009, o Ministério da Saúde divulgou a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Renisus), que contém 71 plantas que podem gerar produtos para serem utilizados pelo SUS. São oferecidos, por exemplo, medicamentos derivados de espinheira santa, para gastrites e úlceras, e de guaco, para tosses e gripes. Os fitoterápicos utilizados pelo SUS são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e considerados seguros e eficazes para a população.

Farmácia Viva

Outra iniciativa que oxigenou a prática fitoterápica foi o projeto Farmácia Viva, criado em 1984 pelo professor Abreu Matos, tendo como base o Horto de Plantas Medicinais da UFC, agregado ao Laboratório de Produtos Naturais. Nos moldes de um programa de medicina social, o projeto recolheu entre a população a indicação de plantas usadas popularmente para alguns desequilíbrios da saúde, e as estudaram para comprovar cientificamente os seus efeitos.

O projeto objetiva: oferecer assistência científica às entidades públicas e privadas e comunidades interessadas no emprego terapêutico de plantas; estudar cientificamente as plantas medicinais, desde a fase de cultivo das espécies até a produção; e distribuir medicamentos fabricados a partir das espécies.

A Farmácia Viva não é uma farmácia no sentido comercial/tradicional da palavra. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS), na capital cearense, funcionam dois hortos de plantas medicinais, um na Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb) e outro no Centro de Desenvolvimento Familiar (Cedefam), da UFC. Nesses hortos, há também a distribuição para a população de mudas das plantas cultivadas. A produção dessas plantas fitoterápicas é validada pela UFC e enviada para a Oficina Farmacêutica Maria Lúcia Gurgel, num convênio da Prefeitura de Fortaleza com a Universidade de Fortaleza (Unifor). A produção dos medicamentos fitoterápicos é destinada aos postos de saúde da cidade.

Riscos

Mas há o que se ponderar. Apesar da origem natural, um medicamento fitoterápico não está isento de oferecer riscos, como se tende a pensar. “Existem plantas tóxicas e existem pessoas sensíveis a constituintes que podem estar presentes numa determinada planta. Conheço pessoas que são alérgicas a mentol, que está presente nas pastas de dente, por exemplo.

Essa substância está presente em várias espécies de plantas e pode ser a causa de reação alérgica em pessoas sensíveis”, diz o professor Said. “A identificação correta da planta, sua forma de preparo e uso são fatores muito importantes a serem considerados”, acrescenta a farmacêutica Lara.

Se comparada aos tratamentos “convencionais”, a fitoterapia pode oferecer alguns benefícios aos seus adeptos. “A fitoterapia, na sua essência, tanto oferece menos efeitos colaterais como menor custo. Torna-se uma importante terapêutica para as pessoas que não podem ter acesso aos medicamentos convencionais”, defende Lara. Pode-se somar às vantagens: o resgate das práticas tradicionais e o conhecimento e valorização dos recursos naturais regionais.

Desafios

Como em quaisquer procedimentos que fujam da cultura dos “industrializados”, a fitoterapia também enfrenta percalços. Há quem apóie, mas também há quem repudie. “Existe uma clara resistência ao uso de fitoterápicos, principalmente pelos médicos que, em sua grande maioria, foram influenciados por uma formação tecnicista, sem o conhecimento da fitoterapia e ainda foram impulsionados pelo poder da indústria de medicamentos sintéticos”, diz Lara, que ao mesmo tempo acredita na mudança desse pensamento com a inclusão da fitoterapia nas grades curriculares dos cursos superiores.

Já Said afirma que existe, sim, resistência, mas já houve mais. Ele acredita na boa convivência entre os diferentes tipos de tratamento: “quem pratica a fitoterapia corretamente não vai se aventurar a utilizar esse recurso onde só a alopatia ou procedimentos ainda mais sofisticados devam ser empregados”, diz.
O professor aponta ainda alguns desafios que a fitoterapia tem de encarar: maior integração entre os diversos profissionais envolvidos na área (como farmacêuticos, médicos, nutricionistas e agrônomos); mais aplicação da pesquisa para não limitá-la ao mérito acadêmico; e maior apoio do poder público, que define a continuidade, ou não continuidade, dos trabalhos e estudos. (Com informações da jornalista Cinara Sá - matéria veiculada no caderno VIVER do jornal O Estado, em 6 de dezembro de 2011).

Data: 14.02.2013 
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