quarta-feira, 27 de março de 2013

Obesidade pode aumentar risco de coagulação em pacientes com síndrome de ovários policísticos (SOP)

Dissertação de mestrado aponta que é maior a chance de tromboembolismo venoso

Edição de Imagens: Luis Paulo Silva

A distribuição da gordura, o avanço da idade, a resistência à insulina e a quantidade de testosterona na corrente sanguínea podem alterar alguns marcadores do sistema hemostático, sugerindo, em mulheres com síndrome de ovários policísticos (SOP), um risco mais elevado de tromboembolismo venoso (TEV) – que é a obstrução das veias por um coágulo de sangue. Foi o que concluiu pesquisa de mestrado da ginecologista Maria Raquel Marques Furtado de Mendonça-Louzeiro, apresentada à Faculdade de Ciências Médicas (FCM). No estudo, orientado pela ginecologista Cristina Laguna Benetti Pinto e coorientado pela hematologista Joyce Maria Annichino-Bizzacchi, ambas docentes da FCM, esses fatores sinalizaram maior probabilidade de alterações na coagulação.

A SOP, define a autora, se caracteriza por ovários (dois órgãos que ficam cada qual em um lado do útero, responsáveis pela produção dos hormônios sexuais femininos e dos óvulos) – com vários pequenos cistos em mulheres com irregularidade menstrual e aumento de pelos ou acne. Em geral, a SOP tem início na puberdade e se estende até a menopausa. É uma doença ligada às alterações hormonais.

Mendonça-Louzeiro realizou um estudo transversal em que foram comparadas 45 mulheres com SOP e outras 45 com função gonadal normal, atendidas no Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Departamento de Tocoginecologia da FCM, onde é feito o tratamento e o acompanhamento às portadoras da síndrome. A investigação ocorreu entre 2010 e 2011.

A autora abordou a associação de marcadores do sistema hemostático, que respondem pela coagulação, com parâmetros clínicos e laboratoriais. A SOP afeta hoje entre 5% e 10% das mulheres na menacme (período reprodutivo da primeira menstruação à menopausa). As pacientes avaliadas tinham a mesma idade e o mesmo índice de massa corporal.

A ginecologista verificou a distribuição de gordura por meio de parâmetros clínicos como circunferência da cintura, circunferência do quadril e relação cintura-quadril; e distribuição dos pelos por meio de avaliação clínica (índice de Ferriman-Gallwey) e laboratorial (dosagens de testosteronas total e livre).

Esses aspectos sugeriram que as mulheres com SOP mostram maior centralização da gordura na região da cintura do que no quadril e maior grau de hirsutismo (aumento de pelos pelo corpo) quando comparadas ao grupo-controle.

Também foram feitos exames laboratoriais como glicemia e insulina de jejum, além das dosagens de testosterona total e livre. Com relação ao sistema hemostático, foram dosados marcadores como inibidor do ativador do plasminogênio do tipo 1, inibidor da fibrinólise ativado pela trombina, D-dímero e teste de geração de trombina.

DIAGNÓSTICO

Em 2003, um Consenso Internacional, em Rotterdam, Holanda, determinou que, para o diagnóstico de SOP, as pacientes deveriam exibir pelo menos duas das seguintes características: ciclos menstruais irregulares, sinais de hiperandrogenismo clínico (acne e pelos aumentados pelo corpo) e/ou bioquímicos (exames hormonais alterados), e ovários policísticos ao ultrassom (presença de 12 ou mais folículos em cada ovário e/ou aumento ovariano maior que 10 cm³).

Para esse diagnóstico, é preciso excluir outras causas com um quadro clínico semelhante, explica a ginecologista, como hiperplasia adrenal congênita, síndrome de Cushing e tumores secretores de andrógenos, além de endocrinopatias como hiperprolactinemia e hipotireoidismo.

Essa tarefa, aconselha ela, requer uma completa avaliação para não correr o risco de dizer que se trata de SOP quando as mulheres não preenchem estes critérios ou quando o resultado baseia-se só no ultrassom.

Mulheres com essa síndrome procuram, na maioria das vezes, os serviços médicos por causa da irregularidade menstrual; aumento de pelos pelo corpo; ou infertilidade, decorrente de ciclos anovulatórios.

Embora mais evidentes tais manifestações, distúrbios metabólicos também são vistos em mulheres com SOP, envolvendo obesidade, hiperinsulinemia, resistência insulínica (dificuldade que a insulina tem de retirar a glicose do sangue e levá-la às células), diabetes do tipo 2, dislipidemia (alteração dos níveis de colesterol total, suas frações e/ou de triglicerídeos) e síndrome metabólica, com repercussões clínicas desfavoráveis ao longo da vida.

Atualmente, os profissionais da saúde buscam fazer uma abordagem multifatorial da paciente. O tratamento, no caso, consiste em regularizar os ciclos menstruais, controlar o hiperandrogenismo (com medidas clínicas e medicamentosas) e as comorbidades como obesidade, resistência insulínica, doença cardiovascular e dislipidemias. Quando se percebe infertilidade, uma das medidas implica estimular a ovulação.

Segundo Mendonça-Louzeiro, recomenda-se o seguimento das pacientes com orientações sobre a mudança de hábitos de vida, com atividades para a redução do peso (dieta e atividade física) com vistas a diminuir o risco de doenças cardiovasculares e tromboembólicas, o que se tem mostrado exitoso.

CONTRACEPTIVOS

A baixa incidência de tromboembolismo na população contribui para o estudo de populações de risco, como a de mulheres obesas, diabéticas, com varizes, antecedentes familiares de tromboembolismo, tabagistas, mais idosas e até mesmo gestantes.

“Nessas populações, muito se avaliam os componentes do sistema hemostático e como se comportam. Mas recentemente tem sido comentado o risco de tromboembolismo associado aos contraceptivos orais combinados (COC) contendo estrogênio. A sua associação com a obesidade nos fez decidir estudar tromboembolismo nas mulheres com SOP”, conta a pesquisadora. Por muitos anos, na SOP tratava-se e controlava-se a acne, o hirsutismo, a contracepção e a infertilidade. Hoje, têm sido valorizadas as alterações com maiores repercussões na idade adulta, na forma de diabetes mellitus, doença cardiovascular, obesidade e interferência na qualidade de vida.

Por décadas, os COC têm sido a terapêutica mais usual no caso da SOP, a despeito dos seus componentes mostrarem pequenos efeitos adversos no metabolismo dos lípides (gorduras), aumentando o nível sérico de triglicerídeos e dos carboidratos, reduzindo a sensibilidade à insulina, a tolerância à glicose, e interferindo na hemostasia (processo fisiológico encarregado de parar o sangramento e iniciar o reparo tecidual).

Mesmo não havendo evidência direta da elevação de risco de doença tromboembólica em pacientes com SOP, evidências indiretas poderiam indicar esta possibilidade, uma vez que mulheres com sinais clínicos de hiperandrogenismo apresentam angiogramas coronários anormais. Os distúrbios da hemostasia nesse caso ainda são pouco estudados e há relatos conflitantes na literatura. O desconhecimento do comportamento dos marcadores do sistema hemostático em mulheres com essa síndrome impede a prevenção de fenômenos tromboembólicos, fato que reduziria a incidência de doença coronariana e a morbidade por eventos da coagulação neste grupo. “Logo, desordens do sistema hemostático e alterações da coagulação podem contribuir para o aumento do risco de eventos cardiovasculares em mulheres com SOP”, constata a médica.

Ainda que avançando o diagnóstico, tratamento e prevenção de TEV, há algumas dúvidas sem resposta, a priori ligadas à patogênese e aos fatores de risco. Fato é que a identificação de fatores predisponentes ao TEV reduziria os custos do seu tratamento e orientaria a escolha terapêutica na SOP.
A ginecologista acredita que a avaliação de componentes do sistema hemostático, incluindo componentes da fibrinólise e o teste de geração de trombina em pacientes com SOP e sua correlação com parâmetros clínicos, hormonais e metabólicos, ajudará a identificar alterações predisponentes para doença cardiovascular e TEV, podendo redirecionar a escolha do tratamento hormonal adequado, dose e via de administração.

INCIDÊNCIA

A incidência geral de TEV cresce exponencialmente com a idade, não sendo claro se por alterações dos mecanismos de coagulação ou pela presença de comorbidades trombogênicas. Entre 25 e 35 anos são cerca de 30 casos/100 mil pessoas ao ano, no mundo, elevando-se, entre 70 e 79 anos, para 300-500 casos/100 mil pessoas ao ano.

Da mesma forma, a prevalência de embolia pulmonar aumenta com o avançar da idade, levando a uma taxa de 20 a 65 casos de tromboembolismo pulmonar por 100 mil habitantes.

Quando ocorre de repente, a circulação é interrompida em uma parte do pulmão, aumentando a resistência à circulação do sangue e diminuindo o funcionamento do pulmão, sobrecarregando o coração. Conforme o quadro da pessoa que sofreu a embolia, pode passar despercebido ou provocar morte súbita.

Nos EUA, esse distúrbio desencadeia de 300 mil a 600 mil hospitalizações anuais, com risco baixo (4,4 por 10 mil mulheres/ano) na população geral de mulheres, podendo aumentar em usuárias de pílula combinada e em gestantes. Agora, são desconhecidos dados de mulheres com SOP com fatores de risco como obesidade central. Também não há evidências indicando mudança na conduta frente ao diagnóstico da síndrome.

O estudo da mestranda revelou que, dentre os marcadores hemostáticos, o tempo para o início da geração de trombina foi menor no grupo SOP. Isso significa que, nas mulheres desse grupo, ela acontece mais rapidamente, sugerindo maior risco de hipercoagulabilidade.

A ginecologista deve estudar mais a composição corporal e a sua relação com tais parâmetros. “Pretendemos agregar informações e, no futuro, correlacioná-las com diferentes alternativas no tratamento da SOP”, relata.

A pesquisa foi realizada no Brasil com financiamento da Fapesp. O estudo gerou um trabalho que acaba de ser aceito para publicação na revista Fertility and Sterility, um dos mais conceituados periódicos internacionais da área de Ginecologia, com alto fator de impacto.

Mendonça-Louzeiro é graduada pela Universidade Federal de Uberlândia, tem Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade de Medicina da Unesp e concluiu o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Tocoginecologia da Unicamp.

Publicações

- Mendonça-Louzeiro, M.R.M.F.; Annichino-Bizzacchi, J.M.; Magna, L.A.; Quaino, S.K.P.; Benetti-Pinto, C.L. Faster thrombin generation in women with polycystic ovary syndrome compared to healthy controls matched for age and body mass index. Fertil. Steril. (com aceite). Elsevier reference: FNS 28007.
Dissertação: “Marcadores do sistema hemostático e sua associação com parâmetros clínicos e laboratoriais em mulheres com síndrome dos ovários policísticos”
Autora: Maria Raquel Marques Furtado de Mendonça Louzeiro
Orientadora: Cristina Laguna Benetti Pinto
Coorientadora: Joyce Maria Annichino-Bizzacchi
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Financiamento: Fapesp
Jornal da UNICAMP, 5 de março de 2013 a 25 de março de 2013 – ANO 2013 – Nº 555
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