quarta-feira, 27 de março de 2013

Pesquisa com plantas medicinais no Brasil, uma história antiga

2011/02/12

Texto e Fotos: 
Paulo Henrique de O. Léda Tecnologista em Saúde Pública
Fiocruz 

As plantas medicinais serviram (e ainda servem) de base para o desenvolvimento e aprimoramento da terapêutica por fornecerem várias substâncias químicas que compõe os medicamentos alopáticos. Permeando esse conhecimento técnico e acadêmico como conhecemos hoje se encontra associado o saber de comunidades tradicionais. No caso particular da América do Sul, tivemos vários estudos realizados por naturalistas europeus, quando aqui aportaram em seus navios, com o objetivo de pesquisar a nossa flora e fauna, assim como todo o conhecimento associado ao seu uso, sobretudo para fins medicinais. 

O caso mais conhecido talvez seja o do curare usado para a caça pelos indígenas, para o qual foram identificadas as espécies vegetais responsáveis por seus efeitos farmacológicos. Estudos posteriores mostraram que durante o envenenamento de coelhos por curare, o coração continuava a bater mesmo quando a respiração cessava, significando que a função cardíaca não era afetada. Essa experiência também demonstrou que ao estimular artificialmente a respiração ocorria recuperação das funções fisiológicas. Posteriormente descobriu-se que os principais constituintes químicos do curare bloqueiam a transmissão neuromuscular e, diante disso cogitou-se sua utilização em anestesias. Entretanto, o curare só começou a ser utilizado em janeiro de 1942, quando Harold Griffith e Enid Johnson o introduziram em procedimentos cirúrgicos.

Esse caso serve para ilustrar como uma área do conhecimento foi desenvolvida a partir de uma tecnologia indígena utilizada para caçar. Entretanto, na trajetória da floresta para o laboratório e depois para o produto final, esse conhecimento foi sendo desvalorizado e descaracterizado até chegar ao ponto de não ser mais reconhecido a origem do seu conhecimento. Ou seja, o desenvolvimento de novos medicamentos pode se apoiar no uso tradicional de alguma espécie medicinal, sendo hoje reconhecida como uma importante área de pesquisa: a etnofarmacologia. Neste contexto, a busca por moléculas pode tornar esse conhecimento apenas “uma ferramenta” na busca de novos agentes terapêuticos, excluindo o contexto cultural e social do qual faz parte. 

Assim, diante do sucesso terapêutico dos medicamentos sintéticos, especialmente no controle das infecções, houve o domínio da área de pesquisa e do mercado voltada para esse tipo de medicamento, cujo resultados se mostravam tão promissores e sedutores que fez pensar que todas as doenças seriam, finalmente, controladas e curadas. Essa promessa possibilitou com que hoje a atividade farmacêutica seja dominada por grandes empresas transnacionais que mantêm seus monopólios e interesses econômicos devido aos modernos recursos biotecnológicos e aos mecanismos regulatórios, por exemplo patentes, permitindo a sustentação de um complexo industrial que mantém um sistema de saúde hospitalocêntrico, cientificista e excludente.

Neste contexto, o desenvolvimento tecnológico de medicamentos não criou um ambiente propício para a introdução de outras racionalidades médicas no sistema de saúde em função do monopólio industrial do medicamento sintético que dominou o complexo produtivo da saúde, especialmente no ocidente, onde a cultura das plantas medicinais se manteve como um recurso terapêutico “alternativo”, ficando à margem do sistema de saúde e sendo usada por populares e profissionais de saúde considerados “alternativos”, “não científicos”, “sem cultura” ou qualquer outro termo pejorativo. 

Pesquisas com plantas medicinais hoje

O reconhecimento oficial da fitoterapia no Brasil ocorreu após vários debates e disputas políticas iniciadas na década de 1980, antes mesmo da criação do SUS, onde o governo da época já considerava as plantas medicinais importantes para intensificar a assistência farmacêutica, a produção e o mercado de produtos farmacêutico, criando um Programa de Pesquisa em Plantas Medicinais (PPPM) com essa finalidade, ancorado na extinta CEME (Central de Medicamentos).

O estudo da espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), financiado pelo PPPM, foi um dos projetos que apresentou resultados positivos, a qual demonstrou efeitos protetores marcantes contra úlceras experimentais em ratos, efeito este comparável ao da cimetidina. Apesar do ensaio clínico realizado com o objetivo de acompanhar o tratamento de pacientes portadores de dispepsia alta ou de úlcera péptica com o liofilizado do abafado (chá) de Espinheira Santa não ter resultado conclusivo, o amplo uso clínico demonstra sua eficácia para essas patologias. Esses dados é que apoiam a recomendação do uso dessa espécie no SUS. Assim, o conhecimento sobre as nossas plantas que não pode ser desconsiderado ou desprezado, especialmente as experiências do uso clinico. 
Legenda: Espinheira Santa - Maytenus ilicifolia /Foto: Paulo Leda

A afirmação que não existem estudos clínicos com plantas medicinais não é verdadeira, não pode e não deve ser generalizada, sobretudo se consideramos espécies medicinais como o hipérico (Hypericum perforatum), o qual tem na Alemanha seu principal mercado consumidor e uma das drogas vegetais com maior número de pesquisas farmacológicas que comprovam seus efeitos terapêuticos.

Cuidados necessários para utilização de plantas medicinais e fitoterápicos

Diferente do que a maioria dos usuários pensa, as planta medicinais não são isentas de efeitos colaterais ou não interagem com outros medicamentos. Por exemplo, o hipérico tem a capacidade de interagir com vários medicamentos, assim como o popular ginkgo (Ginkgo biloba) também apresenta seus efeitos adversos. Assim, ignorar que as pessoas utilizam plantas medicinais em nada contribui, o que se deve fazer é eliminar o preconceito quanto ao uso e respeitar o outro e a sua cultura. Pois segundo, Elaine Elisabetsky: 

"já se disse que a discussão do uso de plantas medicinais na clínica médica em geral se faz entre os “entusiastas acríticos” e os “céticos desinformados”. O que falta a estes dois extremos talvez seja, sobretudo, a noção clara e exata de que plantas medicinais e fitoterápicos são drogas. A má notícia é que drogas, quaisquer drogas, nunca são inócuas. Elas interagem com receptores no organismo, e podem ainda eventualmente interagir com outras drogas. Dessas interações podem surgir efeitos adversos. A boa notícia é que é exatamente por não serem inócuas e interagirem com o organismo é que fitoterápicos, assim como quaisquer drogas, podem ter efeito terapêutico”. 

Diante desse cenário é que a fitoterapia tem se destacado como prática terapêutica respeitada e estimulada pelos sistemas oficiais de diversos países. Acreditamos que ambientes onde pessoas são tratadas por profissionais não qualificados sejam exceção e fruto justamente da falta de uma política com as diretrizes para o desenvolvimento dessa área no Brasil, especialmente na área da educação, considerando que o ensino acadêmico de plantas medicinais foi praticamente suprimido dos cursos de saúde. Portanto, estamos atrasados, no mínimo 30 anos, na criação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF). 

Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF): Tecnologia Social (TS) como ferramenta de desenvolvimento

A criação de uma política para o segmento de plantas medicais no Brasil (Política de Plantas Medicinais e Fitoterápicos - PNPMF) e uma outra que regulamenta o uso no SUS (Política de Práticas Integrativas e Complementares - PNPIC) tem justamente o intuito de ordenar as atividades, atender aos movimentos sociais em prol de seu reconhecimento pelo Ministério da Saúde (MS) e proteger o usuário, tendo em vista a necessidade de reorganizar as práticas de saúde a partir da compreensão de que a saúde da população é resultante da forma com que a sociedade se organiza, considerando as suas dimensões econômicas, política e cultural.
Legenda: Arnica Brasileira - Solidago chilensis /Foto: Paulo Leda

Para tanto, não podemos desconsiderar que o campo da saúde sofre o monopólio de um visão "cientificista", levando a uma concepção autoritária e normalizadora da saúde que é estimulado pelo o atual modelo de atenção à saúde. Assim, o desafio proposto é estruturar projetos em rede que além da sustentabilidade ambiental promovam a sustentabilidade social e cultural a fim de contribuir para a redução da pobreza e das desigualdades sociais, especialmente quando políticas dessa natureza proporcionam o debate intersetorial no campo da saúde, permitindo o diálogo entre atores com relações de poder altamente diferenciadas e, por vezes, também conflitantes. Como forma de catalisar as diferentes visões de mundo e promover o dialogo, os diferentes atores devem ser agregados em uma rede sociotécnica permeada pelo conhecimento tradicional/popular, científico, tecnologias, poder e propriedade.

Como conseqüência, um campo fértil para intervenções, alterações ou reorientações dos serviços de saúde no SUS foram abertas após o reconhecimento oficial da fitoterapia e do uso das plantas medicinais pelo MS, abrindo novas possibilidades de formação de redes de sociotécnicas que podem aproximar os saberes acadêmicos e tradicionais/populares, na busca de linguagens e cuidados que propiciem um sistema de saúde mais resolutivo e equânime. 

Torna-se, portanto, necessário discutir a importância do setor saúde para o desenvolvimento econômico e social diante da oportunidade da introdução do uso de plantas medicinais e os possíveis impactos desse uso na promoção de outras formas de pesquisa, desenvolvimento e inovação em saúde. Neste contexto, abre-se uma janela de oportunidade, fomentada pela crise dos paradigmas da medicina moderna, para o desenvolvimento de atividades em Tecnologia Social (TS) no campo da saúde ao considerarmos que essa tecnologia incorpora, da concepção à aplicação, uma intencionalidade de inclusão social e desenvolvimento econômico-social e ambientalmente sustentável. 

Podemos, então, identificar o projeto Farmácias­Vivas®, iniciativa pioneira idealizada pelo Prof. Francisco José de Abreu Matos, da Universidade Federal do Ceará, como uma TS, a qual tem por objetivo atender pequenas comunidades usando plantas nativas/adaptadas a um determinado bioma brasileiro que podem ser utilizadas diretamente nos cuidados primários de saúde. Assim, o uso da TS permite a estruturação de projetos em rede sociotécnica das ações da PNPMF, bem como possibilita um outro enfoque tecnológico para a saúde que proporcione um sistema de saúde equânime. 

Portanto, o uso da TS permite colocar a PNPMF como parte das políticas públicas promotoras de saúde, assim como uma política que estimula a participação da sociedade civil organizada na gestão do sistema de saúde, reorienta e promove a saúde humana e ambiental, ampliando o acesso aos serviços de saúde.

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