quarta-feira, 3 de abril de 2013

O decrescimento econômico e populacional: uma realidade provável? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Os dois últimos séculos foram excepcionais na história da humanidade e possibilitaram quatro acontecimentos extraordinários: 1) uma grande produção de combustíveis fósseis; 2) uma sequência de revoluções científicas e tecnológicas; 3) um crescimento exponencial da população mundial; e 4) um crescimento ainda maior da economia, com elevada expansão do consumo conspícuo. Estes quatro fenômenos estão interligados.

No passado, antes da decolagem do capitalismo, segundo dados de Angus Maddison, o Produto Interno Bruto (PIB) do mundo cresceu 5,7 vezes entre os anos 1000 a 1820, enquanto a população cresceu de cerca de 267 milhões para pouco mais de um bilhão de habitantes, no mesmo período (cresceu 4 vezes em 820 anos). Todavia, o crescimento da renda per capita mundial foi de apenas 1,4 vezes (40%) em 820 anos.

Porém, entre 1820 e 2012 o PIB mundial cresceu 82 vezes e a população cresceu de pouco mais de um bilhão de habitantes para mais de 7 bilhões (um crescimento de 7 vezes em 200 anos). Neste curto período de cerca de dois séculos a renda per capita mundial deu um salto de 12 vezes. Mesmo considerando que há uma distribuição desigual da riqueza em nível nacional e internacional, o salto da renda foi muito grande e foi acompanhado por grande aumento da posse de bens de consumo, aumento dos níveis educacionais, uma quase universalização do telefone (fixo e celular), da luz elétrica, redução da mortalidade infantil, crescimento da esperança de vida, etc.

Nos últimos 60 anos houve o surgimento de uma janela de oportunidade demográfica devido à mudança da estrutura etária e uma grande entrada das mulheres no mercado de trabalho, que possibilitou um bônus demográfico feminino. Esta combinação de revoluções científicas e tecnológicas, com abundância de combustíveis fósseis, com empoderamento das mulheres e crescimento da população – especialmente em idade de trabalhar – possibilitou um grande avanço econômico, que possibilitou expansão dos direitos de cidadania e ganhos importantes, mas não completos, dos direitos humanos. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo nunca foi tão elevado. Houve redução da pobreza e crescimento da classe média.

Mas como serão os próximos 200 anos? Será que estas tendências dos últimos dois séculos podem ser projetas para indicar maiores avanços nas próximas 20 décadas? Quais são as perspectivas de médio e longo prazo?

No curto e no médio prazo o mundo ainda deve apresentar crescimento econômico, embora os países desenvolvidos estejam enfrentando dificuldades, sendo que a Europa e o Japão são símbolos de estagnação econômica, enquanto os Estados Unidos apresentam um quadro de crescimento anêmico. Mas entre grande parte dos países em desenvolvimento há ainda um espaço temporal para o crescimento da renda, para o aumento dos níveis de consumo e redução da pobreza.

Para 2025, estima-se uma classe média consumista mundial de mais de 4 bilhões de pessoas, significando uma ampliação do mercado de bens e serviços, mas aumentando as pressões sobre os recursos naturais. O sucesso dos próximos 20 anos pode significar que o esgotamento dos recursos naturais e o aquecimento global entre em um ponto de inflexão, de não retorno.

Assim, no largo prazo, tudo indica que o crescimento econômico não vá perdurar, pois a humanidade já ultrapassou os limites bioprodutivos do Planeta e o déficit ecológico só tem aumentado. O ritmo atual tem se sustentado na base do uso e abuso de uma herança acumulada no passado, quer seja no subsolo, no solo ou nas águas. As florestas e os ecossistemas terrestres e aquáticos estão sendo encolhidos e danificados. Por razões ambientais, demográficas e econômicas os ventos favoráveis ao crescimento estão mudando e já existem nuvens sombrias no horizonte.

O artigo do pesquisador Robert J. Gordon (“Is U.S. Economic Growth Over?”) é uma referência importante para analisar o futuro próximo, levando-se em consideração este período excepcional dos últimos 200 anos. O artigo começa recapitulando os vínculos entre períodos de rápida expansão econômica e as inovações das três Revoluções Industriais (RI): 1ª) a das ferrovias, energia a vapor e indústria têxtil, de 1750 a 1830; 2ª) a da eletricidade, motor de explosão, água encanada, banheiros e aquecimento dentro de casa, petróleo e gás, farmacêuticos, plásticos, telefone, de 1870 a 1900; 3ª) a dos computadores, internet, celulares, de 1960 até hoje.

Segundo Gordon, a segunda RI teria sido mais importante em termos de acelerar o crescimento econômico, garantindo 80 anos de acelerado avanço na produtividade. Ele argumenta que este evento excepcional é único no tempo e não vai se repetir mais. Ele dá exemplo da velocidade do transporte (que é confirmada pelo fracasso do Boeing 787 Dreamliner):

“Até 1830, a velocidade de tráfego de passageiros e de mercadorias era limitado pelo ‘casco e vela’, mas aumentou de forma constante até a introdução do Boeing 707, em 1958. Desde então, não houve nenhuma mudança na velocidade e, de fato, os aviões voam mais lento agora do que em 1958 por causa da necessidade de economizar combustível” (p. 2).

Outro exemplo se dá pelo engarrafamento das grandes cidades e a crise da mobilidade urbana. Uma carroça puchada por dois cavalos trafegava a 26 km/hora, mas nossos potentes carros atuais não trafegam a 20 km/hora no horário de pico das metrópoles. Nas estradas é grande o número de acidentes e mortes. Desastres e restrições à mobilidade urbana significam perda de eficiência econômica e pressão sobre a qualidade de vida.

Desta forma, o aumento do preço dos combustíveis fósseis e a perda dos ganhos de produtividade vão funcionar como freios ao crescimento econômico. Considerando a economia dos Estados Unidos da América (EUA), Gordon argumenta que existem seis “ventos contrários” (headwinds) que devem desacelerar o crescimento americano (e do resto do mundo): 1) aumento das desigualdades sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos déficits e do endividamento privado e público.

O autor sugere que estes “ventos contrários” não estão atingindo apenas os EUA, mas todas as economias avançadas, o que deve provocar taxas de crescimento econômico abaixo de 1% nas próximas décadas. Nem mesmo a revolução nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) vão conseguir manter os ganhos de produtividade. Para as sociedades emergentes, os “ventos contrários” também existem, mas sopram com menos intensidade, por enquanto. Mas, numa economia cada vez mais internacionalizada, é difícil imaginar que os países em desenvolvimento possam manter altas taxas de crescimento econômico sem contar com uma dinâmica parecida nos países desenvolvidos.

O menor ritmo de crescimento econômico deve reforçar o menor ritmo de crescimento populacional e vice-versa. A projeção baixa da ONU indica um decrescimento populacional na segunda metade do século XXI, com aumento do envelhecimento da estrutura etária e elevação da carga de dependência dos idosos. Na projeção baixa, a população mundial ficaria bem abaixo de 7 bilhões de habitantes, em 2100. Desta forma, os picos do petróleo e da população podem estar mais próximos do que se imagina.

O crescimento econômico é igual ao incremento da força de trabalho multiplicado pelo aumento da produtividade das pessoas ocupadas. Se há, ao mesmo tempo, declínio da população (especialmente da PIA: população em idade ativa), estagnação das inovações tecnológicas e esgotamento dos recursos naturais, então o crescimento econômico se torna impossível. Este quadro é agravado pelo endividamento público e privado e pelo envelhecimento populacional. Os pesquisadores econômicos Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff consideram que nações com cargas de dívida pública superiores a 90% do PIB crescem menos e comprometem definitivamente a possibilidade de manutenção de altas taxas de crescimento econômico.

Se estes são os cenários que devem conformar o futuro, não é irreal desde já se considerar que o Estado Estacionário ou o decrescimento demo-econômico sejam a nova realidade que se descortina no horizonte.

Referência:

GORDON, Robert J. IS U.S. ECONOMIC GROWTH OVER? FALTERING INNOVATION CONFRONTS THE SIX HEADWINDS. NBER Working Paper, Cambridge, Massachusetts, Working Paper 18315, August 2012. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w18315

Rubens ricupero. Neorrealismo, Folha de São Paulo, 10/12/2012


José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 03/04/2013
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