segunda-feira, 1 de abril de 2013

Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs): uma Riqueza Negligenciada.

Texto cedido gentilemente por Valdely Ferreira Kinupp
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM)
Campus Manaus-Zona Leste
val@ifam.edu.br

Muito é dito nas instituições de pesquisa, na mídia em geral, nas agendas políticas e mesmo nas conversas corriqueiras sobre a megabiodiversidade brasileira, no entanto, pouco é feito com objetivos práticos de valoração e uso real desta riqueza biológica. No que diz respeito à diversidade florística (fitodiversidade) com potencial alimentício, por exemplo, muito pouco é conhecido, pesquisado e compõe a matriz agrícola nacional ou mesmo regional. Quais são as espécies de frutas e hortaliças nativas produzidas em larga escala? Quais passaram por pesquisas, a longo prazo, de melhoramentos e seleções genéticas? Existem programas governamentais efetivos que incentivem ou, ao menos, não criem empecilhos para o cultivo e manejo de espécies alimentares nativas? Quantas disciplinas acadêmicas existem nas instituições nacionais de ensino técnico ou superior voltadas ao estudo e divulgação de espécies alimentícias silvestres? Estas são apenas algumas questões inquietantes referentes à forma mais básica de uso, a alimentação.

A maioria das plantas chamadas "daninhas" ou "inços" (o correto e adequado é plantas/ervas espontâneas), pois medram entre as plantas cultivadas são espécies com grande importância ecológica e econômica. Muitas destas espécies, por exemplo, são alimentícias mesmo que atualmente em desuso (ou quase) pela maior parte da população. O mesmo é válido para plantas silvestres, as quais são genericamente chamadas de "mato" ou planta do mato, no entanto, são recursos genéticos com grande potencial de uso imediato ou futuro a partir de programas de melhoramento, seleção e manejos adequados.

Os países tropicais e subtropicais detêm a maior diversidade de espécies vegetais vasculares, contudo, o número de frutíferas e oleráceas autóctones proporcionalmente utilizadas é ínfimo. Por exemplo, dentre as 10 espécies frutíferas mais produzidas no Brasil nenhuma é nativa. Algumas frutas nativas têm expressão regional, mas mesmo assim aquém do desejado.

No que se refere às hortaliças nativas a pesquisa, o cultivo, o uso e a valorização parece ser ainda menor. As frutas têm o chamariz da cor, da doçura e da suculência, já as hortaliças em geral são tratadas como "mato", "coisas verdes" aguadas e sem sabores característicos. As nativas, as quais são tratadas aqui como hortaliças regionais ou genericamente como não-convencionais, inegavelmente são "matos" enquanto não cultivadas e utilizadas com regularidade. Mas, este enquadramento pode ser transitório.

Algumas espécies hoje tidas como culturas agronômicas foram tratadas como inços ou "daninhas" até muito recentemente e outras, outrora muito utilizadas, caíram em desuso. Dentre as hortaliças, algumas poucas fazem parte da culinária regional. Entre estas destaca-se o jambu (Acmella oleracea (L.) R.K.Jansen - Asteraceae) componente essencial do tacacá, prato típico da culinária amazônica. Outra planta típica da Amazônia é o cubiu (Solanum sessiliflorum Dun. - Solanaceae), a qual produz frutos (classificada também como frutífera) que podem ser usados na tradicional caldeirada, assim como para a elaboração de sucos, sorvetes, doces e geleias. Esta espécie já está também sendo cultivada e comercializada em outros Estados extra-amazônicos, recebendo o nome comercial de maná-cubiu ou simplesmente maná. Outra muito cultivada e vendida na região Norte é a chicória-de-caboclo (Eryngium foetidum L.- Apiaceae), um tempero essencial em alguns pratos, sobretudo, naqueles a base de peixes, mas pode ser utilizada também como ingrediente principal em bolinhos (tempurá).

Merece destaque o ora-pro-nobis ou carne-de-pobre (Pereskia spp. - Cactaceae) verdura típica da culinária mineira. Este é um dos dois gêneros da família que apresentam folhas verdadeiras. Inclusive, em 1997 foi criado o Festival do Ora-Pro-Nóbis no município de Sabará, Minas Gerais (MG). Dentre as hortaliças nativas cabe destacar também as taiobas, taiás, mangarás e mangaritos (Xanthosoma spp. - Araceae). Algumas espécies deste gênero, tais como a taioba (X. sagittifolium (L.) Schott) além das folhas cordiformes ricas em vitamina A e recomendadas para quem sofre com prisão de ventre produz grande quantidade tubérculos amiláceos saborosos consumidos cozidos e fritos, ensopados ou transformados em pães e bolos. Entre as Dioscoreaceae nativas algumas podem ser consumidas (tubérculos) como alimento, e.g., a caratinga, Dioscorea dodecaneura Vell., a qual é ocasionalmente cultivada em alguns quintais ou jardins como ornamental, devido às belas folhas.

A diversidade de espécies frutíferas e hortaliças nativas (além das cultivadas ou naturalizadas) do Brasil e, especialmente, na Amazônia é imensa. Aqui apenas foram tecidas algumas considerações gerais sobre umas poucas espécies ilustrativas com o intuito de chamar a atenção para a biodiversidade brasileira sem a mínima pretensão de listar as espécies-chave e sempre frisando a necessidade de mais pesquisas a longo prazo, manejos sustentáveis e cultivos das espécies nativas úteis. Estudos etnobotânicos também são necessários para resgatar os conhecimentos populares sobre as frutas e hortaliças silvestres, suas diferentes formas de uso e preparo, maneiras tradicionais de plantio e manejo, épocas de colheitas ou de extrativismo e os usos múltiplos destas espécies. E assim tentar estimular que as populações tradicionais (indígenas, quilombolas e/ou pequenos agricultores) continuem a valorizar seus alimentos locais e preservar suas sementes crioulas ou caboclas mantendo os recursos genéticos vegetais in situ ou in situ on farm

Os valores alimentícios dos produtos locais também precisam ser melhor pesquisados e divulgados. Atualmente, aparentemente estamos vivendo uma época de busca pelos produtos saudáveis, de origens conhecidas e que contribuam para conservação ambiental. Os paradigmas e tabus alimentares precisam ser repensados. Mas, para isso é preciso investir em pesquisas básicas e aplicadas e, sobretudo, em programas educativos através dos meios de comunicação de massa que, talvez poderiam reverter os preconceitos e criar um orgulho nacional na utilização dos recursos naturais. Contudo, além dos manejos sustentáveis, cultivos, pesquisas e marketing das espécies promissoras há, naturalmente, a necessidade de preços competitivos, de controle de qualidade dos produtos e de produção em maior escala, criando assim as demandas e os mercados.

Leituras Sugeridas 

CAVALCANTE, P.B. Frutas Comestíveis da Amazônia. 6ª. Ed. Belém: Cnpq/Museu Paraense Emílio Goeldi. 1996. 279 p. Coleção Adolpho Ducke.

CARDOSO, M.O. Hortaliças Não-Convencionais da Amazônia. Brasília, Embrapa-Cpaa, 1997, 137p. 

CLAY, J.W.; SAMPAIO, P. T.B.; CLEMENT, C.R. Biodiversidade Amazônica: exemplos e estratégias de utilização. Inpa/Sebrae, 2000. 409 p. 

CLEMENT, C. et al. Recursos Frutícolas na Várzea e na Terra Firme de Onze Comunidades Rurais do Alto Solimões, Amazônia Brasileira. Acta Amazonica, v.31, n.3, p.521-27, 2001. 

FACCIOLA, S. Cornucopia II - a Source Book of Edible Plants. Kampong Publications, Vista, 1998. 713 p. 

HOEHNE, F.C. Frutas Indígenas. Instituto de Botânica. Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio. São Paulo, 1946. 88 p. Publicação da Série "D". 

KINUPP, V.F. & BARROS, I.B.I. de. Teores de proteína e minerais de espécies nativas, potenciais hortaliças e frutas. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v.28, n.4, p. 846-857, 2008. 

KINUPP, V.F. 2007. Plantas Alimentícias Não-Convencionais da Região Metropolitana de Porto Alegre, RS. Porto Alegre, 2007. 562 p. Tese - (Doutorado em Fitotecnia). Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12870>. Acesso em 28 ago. 2009. KUNKEL, G. Plants for Human Consumption. Koeltz Scientific Books, Koenigsten, Germany,1984. 393 p. 

ZURLO, C.; MITZI, B. As Ervas Comestíveis - Descrição, Ilustração e Receitas. 2 ed. São Paulo: Editora Globo, 1990. 167 p.



Link:
http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/mesas_redondas/MR_ValdelyKinupp.pdf

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