terça-feira, 27 de agosto de 2013

Parque Nacional da Serra do Cipó: Nesse Parque tem planta, bicho e história

O Parque Nacional da Serra do Cipó está situado na área central do Estado de Minas Gerais entre as coordenadas 19º 12` e 19º 34` latitude sul e 43º 27` e 43º 38` longitude oeste, na parte sul da Cadeia do Espinhaço. Localiza-se nos municípios de Jaboticatubas, Santana do Riacho, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro e faz divisa com Itabira.;Está distante de Belo Horizonte cerca de 100 Km por estrada em direção nordeste do Estado. A área total do PARNA Serra do Cipó é de aproximadamente 34.000 hectares com um perímetro de cerca de 154km. O acesso pode ser realizado pelas rodovias MG-10 e MG-424. A rodovia MG-10 está asfaltada até o km 100. A entrada para a sede do Parque Nacional da Serra do Cipó é feita no Km 94 da rodovia MG-10 e dista do asfalto aproximadamente 3 km. Mapa e informações do ICMBio.

Prof. Emmanuel Duarte Almada (Fundação Helena Antipoff)
Profa. Felisa Anaya (Universidade Estadual de Montes Claros)
Prof. Newton Ulhôa (Centro Universitário UNA)
Prof. Geraldo Wilson Fernandes (Universidade Federal de Minas Gerais)

[EcoDebate] As unidades de conservação integral, que têm nos parques naturais, estações ecológicas, reservas biológicas, monumentos naturais e refúgios da vida silvestre o principal mecanismo de proteção da natureza são orientadas a partir de uma perspectiva hegemônica no campo ambiental fundamentada na idéia conservacionista de “natureza intocada”.

Caso específico diz respeito aos primeiros Parques Nacionais europeus e americanos criados para proteger a natureza em estado originário. Exemplo emblemático foi a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, em 1872, concebido para proteger a natureza e os índios. Entretanto, o que prevaleceu foi a idéia conservacionista em que natureza e sociedade são compreendidas de forma dicotômica, forçando os índiosshoshones a serem “realocados” para outra área. Categoria utilizada para encobrir a violência do processo de expropriação e os conflitos sociais advindos do estabelecimento dessas áreas protegidas e a imposição de outra dinâmica de uso desse espaço social. O pesquisador Marcus Colchester revelou que morreram cerca de 300 índios em 1877, com a implementação do Yellowstone. Entretanto, tal modelo de conservação foi disseminado por todo o mundo, impondo outras dinâmicas territoriais e homogeinizando contextos sociais, políticos, culturais e ambientais tão distintos.

A proliferação dos conflitos ambientais territoriais consequentes a esse modelo, fez com que nos anos 2000, fosse aprovado o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) reconhecendo a importância da interdependência entre diversidade cultural e biológica presentes nestas áreas. Uma vez que, as comunidades que originalmente vivem aí não apenas se utilizam da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos mas também contribui tanto para a preservação quanto para o aumento da biodiversidade local, desde o ponto de vista genético ao da paisagem. Inúmeros exemplos poderiam ser lembrados como os sistemas de trocas de variedades de mandioca entre tribos indígenas na região do alto Rio Negro até o efeito do manejo e extrativismo sobre a distribuição de espécies tal como o cupuaçu, a castanha-do-pará ou o pequi. Considerando tais conflitos foram inseridas na legislação ambiental a modalidade de unidades de proteção de uso sustentável, em que tais comunidades devem ser tratadas de forma diferenciada neste processo, consultadas previamente, indenizadas e categorizadas como “população tradicional”. Apesar de ser um avanço no cenário das políticas ambientais, existem diversas críticas ao SNUC e ao modo como a maioria dos agentes ambientais lidam com esses grupos sociais.

A forma autoritária e a violência física e simbólica são fartamente relatada na literatura científica que trata destes conflitos. Exemplo é o processo de resistência no Norte de Minas Gerais do movimento social “encurralados pelos parques”, hoje denominado “Vazanteiros em Movimento” ao recente episódio ocorrido no Parque Nacional da Serra do Cipó (PNSC). Divulgado em carta-denúncia1 pelas redes sociais no início do mês, o caso do PARNA Serra do Cipó revela a mesma prática de violência aos direitos humanos, culturais e ambientais realizada pelos órgãos ambientais. A maioria dos antigos moradores foi expropriada de seus territórios sem a justa indenização. Após a implantação do parque no início dos anos 80, houve um aumento vertiginoso do número de queimadas, em grande parte resultado de retaliação de antigos moradores que viram seus modos de vida tradicionais e seus meios de vida obliterados pelos órgãos ambientais. A chegada do “meio ambiente” para essas populações significou na verdade, a supressão dos territórios onde construíram suas vidas.

Os últimos moradores, em sua maioria idosos, foram ameaçados mais uma vez nas últimas semanas, recebendo um ofício do ICMBio comunicando-os a sua iminente desapropriação. Cerca de meia dúzia de casas, algumas em ruínas, persistem no interior do parque, recordando as muitas vidas que ali se construíram nos últimos 200 anos. Em trabalho de campo realizado em julho de 2013, visitamos as ruínas da casa dos últimos moradores retirados do Parque a cerca de cinco anos, e deixados a margem da MG10, onde moraram por dois anos em um posto desativado da polícia militar. Na beira de um córrego, ao recordar esse momento trágico, relembraram do lugar onde sua mãe lavava as roupas, de suas roças e das alegrias de ali viver. A casa não há mais, apenas a memória.

O alto preço da conservação da biodiversidade foi a supressão do rico patrimônio imaterial do PNSC. É preciso sim, que se criem unidades de conservação, mas que esse processo não reproduza as exclusões historicamente perpetuadas. É uma grande injustiça aceitar que as comunidades rurais, indígenas e tradicionais, guardiãs dos territórios que guardam a maior parte da biodiversidade que sobreviveu ao avanço do mundo urbano-industrial, abram mão de seus territórios em nome de uma natureza supostamente intocada. Não é possível a conservação da sociobiodiversidade sem democracia plena, em outras palavras, a conservação das nossas riquezas bioculturais será também fruto do fim das injustiças socioambientais.

Todavia, no Brasil, velhos paradigmas conservacionistas ainda sobrevoam a nossa política ambiental. Para muitos, conservar ainda significa cercar e isolar. Muitas vezes cerceando a liberdade de comunidades que viviam ali a bastante tempo. Ora, as pessoas têm sido parte de diversos ecossistemas do planeta a dezenas de milhares de anos. Obviamente, quando a destruição chega a um ponto dramático, isolar é uma solução temporária viável; entretanto em muitos casos não é bem assim. Muitos moradores que sempre se serviram dos serviços de determinada área, auxiliando na conservação da mesma para seu usufruto podem se tornar péssimos “conservacionistas” se por um acaso veem negado o acesso a seus territórios tradicionais.

1http://racismoambiental.net.br/2013/07/mg-moradores-historicos-estao-sendo-expulsos-de-suas-terras-na-area-do-atual-parque-nacional-da-serra-do-cipo-em-nome-de-uma-natureza-intocada-que-preservaram-ao-longo-dos-tempos/

EcoDebate, 27/08/2013

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