terça-feira, 20 de agosto de 2013

Proteínas de soro de leite hidrolisadas podem ajudar no combate à hiperglicemia

15/08/2013

Por José Tadeu Arantes

Agência FAPESP – As proteínas do soro do leite (PSLs) constituem um suplemento nutricional bastante familiar aos esportistas. Chamadas genericamente de whey proteins (nome em inglês), são vendidas com diferentes marcas e apresentações.

Graças à riqueza em aminoácidos de cadeia lateral ramificada (branched-chain amino acids ou BCAAs) – aminoácidos essenciais que os seres humanos não conseguem sintetizar, devendo obter por meio da dieta –, as PSLs são amplamente utilizadas para promover o crescimento e estimular a produção de massa muscular. Tal propriedade também faz delas um complemento nutricional para pessoas em condições patológicas de depleção da musculatura.

As PSLs têm também funções anti-hipertensiva e antiulcerosa. Essas funções já eram conhecidas na literatura. Descobriu-se agora, em pesquisas com ratos, que duas outras propriedades benéficas se acrescentam quando as proteínas de soro de leite são previamente hidrolisadas por meio de enzimas (isto é, parcialmente decompostas em peptídeos – cada um deles formado por dois ou mais aminoácidos): um efeito de redução da hiperglicemia e um efeito de proteção celular e minoração do estresse.

Tais descobertas foram feitas no Laboratório de Fontes Proteicas da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Lafop-Unicamp), em três projetos de pesquisa coordenados por Jaime Amaya Farfan com o apoio da FAPESP: “Efeito do consumo de hidrolisado do soro de leite no metabolismo energético e estado redox em ratos exercitados”; “Efeito do consumo das proteínas do soro do leite nos biomarcadores HSP e parâmetros bioquímicos em ratos” e “Efeito do consumo das proteínas do soro de leite intactas e hidrolisadas, nos transportadores de glicose 1 e 4 do rato”.

A equipe liderada por Farfan, que incluiu os pesquisadores Pablo Christiano Barbosa Lollo (doutorado), Priscila Neder Morato (doutorado), Carolina Soares de Moura (mestrado) e Luciana Nisishima (iniciação científica), publicou, em 2013, dois artigos na revista Food Chemistry: “A dipeptide and amino acid present in whey protein hydrolysate increase translocation of GLUT-4 to the plasma membrane in Wistar rats” e “Whey protein hydrolysate enhances the exercise-induced heat shock protein (HSP70) response in rats”. E produziu outro, “Whey protein hydrolysate increases translocation of GLUT-4 to the plasma membrane independent of insulin in Wistar rats”, prestes a ser publicado na PLoS One.

O poder das proteínas de soro de leite hidrolisadas (PSLHs) de ativar a utilização da glicose também foi descrito por um grupo de pesquisadores japoneses, depois de ter sido observado e relatado pela equipe da Unicamp.

“Os experimentos indicam que a ingestão de proteínas do soro de leite, especialmente de proteínas de soro de leite hidrolisadas [PSLHs], promove a utilização da glicose sanguínea e a síntese de glicogênio nos músculos esquelético e cardíaco. Daí seu efeito anti-hiperglicêmico, de combate ao diabetes ou ao pré-diabetes”, disse Farfan à Agência FAPESP.

A hiperglicemia é caracterizada por níveis elevados de glicose no sangue, da ordem de mais de 100 miligramas por decilitro. “No diabético ou na pessoa que está com hiperglicemia, já a caminho do diabetes, a taxa de glicose no sangue não baixa com o metabolismo, geralmente porque ou falta insulina ou o transportador principal da glicose (GLUT-1) não funciona”, explicou Farfan.

“As PSLHs, então, propiciam uma via alternativa para a retirada da glicose da circulação e sua introdução nas células, para gerar energia ou para ser armazenada na forma de glicogênio [polímero, formado por sucessivas moléculas de glicose, estocado no fígado e nos músculos]”, disse.

Essa “via alternativa” consiste na ativação do transportador de glicose-4 (GLUT-4). “As moléculas de GLUT-4 repousam em vesículas intracelulares. Ativadas, elas migram para a membrana plasmática, tornando-se disponíveis para captar a glicose presente no meio circulante e transportá-la para o interior das células”, disse Farfan.

A função de ativação dos GLUT-4 é típica dos exercícios físicos. Mas o experimento mostrou que, com a ingestão de PSLHs, pode ocorrer também em condições de sedentariedade.

“Sem a intenção de desestimular o exercício em pessoas ativas, essas proteínas se projetam como possível alternativa para o manejo da hiperglicemia em indivíduos que, por sua condição de saúde, estão impedidos de praticar atividades físicas, pois o efeito se mostra tanto substitutivo quanto aditivo ao produzido pelo exercício”, disse Farfan.

Nos experimentos com ratos, o pesquisador e seus colaboradores constataram que os animais alimentados com caseína [proteína insolúvel do leite, cuja retirada dá origem ao soro] ou PSLs comuns também ativaram uma certa quantidade de GLUT-4. Mas aqueles alimentados exclusivamente com PSLHs mobilizaram quase o dobro.

“A hiperglicemia é extremamente nociva, porque significa ter uma quantidade muito grande de um reagente químico em circulação no sangue. A glicose é um aldeído. E, como tal, tende a modificar quimicamente as proteínas, receptores e outras moléculas com as quais entra em contato. Modificadas, essas moléculas deixam de funcionar corretamente. Dificuldade de cicatrização, fígado gorduroso e cirrose são algumas das consequências”, afirmou Farfan.

Atividade de proteção celular

Quanto à propriedade de proteção celular, que pode estar associada ao efeito anti-hiperglicêmico, ela se deve ao estímulo que as proteínas de soro de leite, e mais ainda as proteínas de soro de leite hidrolisadas, produzem sobre a concentração das proteínas endógenas de proteção, as chamadas heat shock proteins, ou HSPs.

As HSPs compõem um mecanismo natural de defesa, capaz de proteger e reparar danos causados às estruturas de natureza proteica. Elas conferem às células maior tolerância e resistência contra uma série de agentes agressores, garantindo a sobrevivência celular durante períodos de estresse.

“Certas condições de estresse chegam a provocar a perda da conformação original e da funcionalidade de proteínas muito sensíveis, como os receptores e os transportadores. Dada a sua constante vigilância sobre a conformação correta de polipeptídios e proteínas, as HSPs são também conhecidas como chaperoninas (em analogia ao nome dado às damas de companhia). Os aumentos no conteúdo ou na expressão das HSPs conferem citoproteção e favorecimento ou restauração do equilíbrio homeostático”, disse Farfan.

Antes de chegar à explicação envolvendo as HSPs, os pesquisadores constataram que os animais mantidos durante longo período com dieta exclusiva de proteínas de soro de leite hidrolisadas conservavam todos os parâmetros normais, menos em relação a uma enzima, que se apresentava diminuída: a glutaminase.

“Pesquisando toda a literatura, vimos que essa redução da glutaminase era um bom indício, pois a glutamina é a principal fonte de energia para os intestinos. Era de se esperar que animais submetidos a estresse causado pelo exercício físico tivessem a glutaminase aumentada, por causa da maior demanda dos intestinos. O fato de a glutaminase estar diminuída sugeria que os ratos alimentados com PSLHs estavam muito menos estressados pelos exercícios exaustivos do que os outros grupos”, disse Farfan.

Essa sugestão foi confirmada pelo monitoramento dos hormônios relacionados ao estresse. E, a partir daí, os pesquisadores passaram a investigar as HSPs, as proteínas do estresse e do antiestresse.

“Vimos que existe um efeito parecido ao observado com o GLUT-4. Ou seja: o exercício produz uma certa quantidade de HSPs e a dieta com as proteínas hidrolisadas também. Quando se combinam as duas coisas, os efeitos se complementam. Assim, encontramos uma explicação para o efeito antiestresse”, afirmou o pesquisador.

A propriedade citoprotetora das PSLHs explica seu efeito antiestresse em animais exercitados até a exaustão, que apresentaram rendimento no trabalho físico muito superior aos alimentados com caseína ou mesmo com PSL. Ao mesmo tempo, a propriedade de ativação dos GLUT-4 explica seu efeito poupador do glicogênio muscular nos animais levados à exaustão e de estímulo à síntese e acúmulo de glicogênio nos sedentários.

“Com o uso da técnica de westernblot [método analítico utilizado para detectar proteínas em uma amostra], comprovamos que as PSLHs, ainda mais do que as PSLs, são capazes de promover os transportadores GLUT-4 do interior das células para as membranas celulares, que são os seus locais de ação. Assim, e cercando os achados com testes de inocuidade quanto à segurança do consumo prolongado das proteínas hidrolisadas, sugerimos que elas podem acionar o transporte da glicose e a sua utilização, da mesma forma que o exercício físico o faz”, disse Farfan.
Em sequência ao estudo, os pesquisadores agora pretendem estudar os efeitos das PSLHs nos humanos.

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