quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Uma planta que tem história… (sobre a guiné)

Do Coletivo Curare

Chamada também por “amansa-senhor”, os efeitos da guiné (Petiveria alliacea L.) são conhecidos desde os tempos da escravidão no Brasil.


por Thiago Cagliumi Alves
No século XVI, quando os primeiros escravos chegaram ao Brasil, além de trazerem consigo diversificadas tradições culturais, artísticas e religiosas, trouxeram também o conhecimento sobre plantas e ervas, as quais eram empregadas desde a forma de temperos, encantando ao paladar dos senhores de engenho, até como elixires para a cura de males tanto de caráter físico quanto espiritual. Este último é o caso das plantas utilizadas na defumação – processo de queima de uma ou mais plantas – cuja finalidade é espantar as más energias e atrair as boas.

Da mesma maneira que detinham o conhecimento destas plantas para promoverem o bem estar e a saúde, sabiam muito bem empregá-las também para provocar doenças e para fazer o “mal”, utilizando-se destas como poderosos “venenos”. Este é caso do “amansa-senhor”, uma poção na qual a principal planta a que se faz referência é a guiné1. Esta poção era uma das maneiras que os negros escravizados utilizavam para se defenderem das brutalidades praticadas pelos senhores de engenho, principalmente quanto aos abusos sexuais sofridos pelas escravas. O “amansa-senhor”, na forma de pó, era então colocado na comida e na bebida consumidas pelos senhores durante prolongado período de tempo e em doses fracionadas, resultando, como denota o próprio nome, em deixá-los mais “calmos” e posteriormente induzi-los a um quadro de imbecilidade podendo inclusive levá-los à morte, livrando definitivamente as mulheres dos ataques que sofriam.

Mas não apenas como veneno a guiné era utilizada. Seu emprego com finalidade terapêutica é amplamente difundido em praticamente todo o Brasil, principalmente nas regiões onde a Umbanda possui muitos adeptos.

Na literatura acadêmica é possível encontrar muitos estudos acerca de suas propriedades medicinais e efeitos biológicos, tais como: tratamento de problemas urinários; propriedade abortiva; atividade antifúngica e antibacteriana; atividade antiviral; antinflamatória e analgésica; atividade tripanocida e atividade hipoglicemiante. Em estudos pré-clínicos (conduzidos em modelo animal) realizados com extratos da guiné, foram evidenciados efeitos sobre o sistema nervoso central, sendo que, dependendo de qual parte da planta for utilizada, podem ser estimulante (folhas e galhos) ou depressor (raízes)2.

Observando estes dois cenários – o do “amansa-senhor” e o dos estudos referidos – podemos perceber que uma mesma planta, dependendo de como e quanto for utilizada, pode ser um forte veneno ou um eficaz medicamento para o tratamento de inúmeras doenças. Um bom exemplo disso pode-se notar na crônica escrita por Julino, na qual relata um episódio envolvendo o uso da arnica-do-campo.

Portanto, a conclusão que aqui podemos chegar é que a história de um povo é sem dúvida uma rica fonte de conhecimento para a ciência. Se bem utilizados, os conhecimentos tradicionais e populares podem ser uma importante ferramenta para a busca de novos medicamentos, como Raquel mostrou em seu texto sobre Etnofarmacologia.

Referências:

1 Camargo MTLA. Amansa-senhor: a arma dos negros contra seus senhores. Revista Pós Ciências Sociais. 2007 – São Luís, v. 4, n. 8.

2 Blainski A, Piccolo VK, Mello JC, de Oliveira RM. Dual effects of crude extracts obtained from Petiveria alliacea L. (Phytolaccaceaee) on experimental anxiety in mice. J Ethnopharmacol. 2010 Mar 24;128(2):541-4. Epub 2010 Jan 14.

Sugestão de Leitura:

Lorenzi H; Matos FJA. Plantas Medicinais no Brasil – Nativas e Exóticas. Nova Odessa (SP): Instituto Plantarum; 2008. 416-417p.

Silva WWM. Umbanda do Brasil. 1969. Rio de Janeiro. Livraria Freitas Bastos S.A. 5-100p.

Thiago Cagliumi é graduado em Farmácia Industrial pela Universidade São Judas Tadeu e atualmente é aluno de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia-Química da UNIFESP.

Data: 11.04.2012
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