sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Apesar de tudo, há jovens iniciando-se no vício do fumo, artigo de Paulo Afonso da Mata Machado

Foto: Marcos Santos.

[EcoDebate] Pesquisa do Ministério da Saúde concluiu que houve uma redução de 25% no número de fumantes maiores de 18 anos em Belo Horizonte num período de seis anos. Entretanto, não há muito a comemorar. 12% da população belo-horizontina acima de 18 anos são dependentes de nicotina. 15% dos homens e 10% das mulheres acima de 18 anos são fumantes, sendo o percentual de mulheres acima da média nacional.

Há várias razões para números tão elevados.

Primeiramente, BH tem um nível socioeconômico maior que o da maioria das cidades brasileiras. Conforme conclusão da Associação Médica de Minas Gerais, por sua Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e Uso de Outras Drogas, a redução no consumo de tabaco no país se deve não apenas à divulgação obrigatória de algumas doenças provocadas pelo fumo nos próprios maços de cigarro, mas, principalmente, pelo aumento no preço do cigarro, afetado pela carga tributária. Ressalte-se que o peso da carga tributária sobre o cigarro é ainda muito pequeno se comparado com as despesas do SUS com fumantes e ex-fumantes.

Outra razão para números tão escandalosos se deve à permissão para a existência de fumódromos na capital mineira, algo definitivamente banido tanto em São Paulo como em diversas outras capitais. Há hipermercado em BH que situa seu fumódromo dentro do estacionamento, obrigando seus clientes a não somente respirar monóxido de carbono, mas, também, a respirar fumaça de cigarro.

Levantamento feito pela Organização das Nações Unidas coloca o fumo como o número 1 entre as causas de doenças evitáveis. O cigarro, o cachimbo, o charuto e, mais recentemente, o narguilé, são responsáveis por:

95% dos casos de enfisema pulmonar;

90% dos casos de câncer do pulmão;

85% dos casos de bronquite crônica;

30% de todos os casos de câncer;

25% dos casos de acidente vascular cerebral (AVC);

25% dos casos de infarto agudo do miocárdio.

Há que se considerar ainda, outros fenômenos que não têm sido quantificados. É o caso da sensível redução na capacidade física de fumantes; da expressiva redução da sensibilidade tanto olfativa quanto gustativa dos fumantes, o que lhes reduz sobremaneira o prazer à mesa; à expressiva incidência de câncer de laringe, principalmente em fumantes do sexo feminino; à elevada porcentagem de impotência sexual nos fumantes do sexo masculino; e à sensível redução da libido em dependentes de nicotina de ambos os sexos.

Devido ao alto número de doenças comprovadamente causadas pelo fumo, nos Estados Unidos não são raros os processos exigindo indenização das companhias de cigarro pelos danos causados a ex-fumantes. Admite-se mesmo que, no futuro, ao comprar cigarros, o usuário tenha que declarar estar ciente dos malefícios causados pelo fumo, comprometendo-se a não repassar nenhum dos cigarros a outra pessoa.

No Brasil, no entanto, são poucos os processos movidos contra companhias de cigarro por causa de morte ou de lesão irrecuperável, seja por enfisema seja por câncer de pulmão. Um desses raros processos foi movido por uma senhora que fumou durante 30 anos, tendo adquirido, em consequência, uma doença também não catalogada na relação acima: tromboangeíte obliterante, mais conhecida como doença de Buerger. Essa senhora teve as duas pernas amputadas e, no processo, pedia ressarcimento das despesas médicas e indenização por danos morais.

O juiz singular deferiu o pedido. A companhia de cigarros recorreu e o tribunal acatou o recurso, tendo o relator dito que “o cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um produto defeituoso, nos termos do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, pois o defeito a que alude o Diploma consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço”. Em outras palavras, o relator afirmou ser o cigarro um produto perigoso, mas, segundo ele, fuma quem quer. Com todo o respeito ao desembargador, é preciso lembrar que a nicotina é altamente viciante, o que torna o viciado um consumidor compulsório de cigarro.

Além disso, a demandante afirma ter iniciado a prática do fumo quando tinha dez anos, o que é perfeitamente possível pois, à época, o cigarro era vendido livremente a pessoas de qualquer idade, sendo comum os pais pedirem aos filhos menores para comprar cigarros para eles. Não tinha, portanto, idade para entender os malefícios que o cigarro lhe traria.

Além disso, o cigarro era, a essa época, associado ao glamour e ao sucesso e, por isso, era consumido em larga escala, sem que muitos fumantes tivessem consciência dos riscos que estavam correndo. Quem com mais de 45 anos não se lembra das propagandas de cigarro falando da “Terra de Marlboro”, associando o fumo ao sucesso, representado por cavalos de raça? A essa época, não somente a propaganda era livre e veiculada na mídia televisiva a qualquer horário, como se fumava em ambientes fechados, em restaurantes, em ônibus e, perigosamente, até mesmo no interior de aviões. Isso talvez explique – embora não justifique – o grande percentual de fumantes com mais de 45 anos de idade.

É espantoso, no entanto, que, não obstante o grande volume de informações hoje disponíveis, haja jovens recentemente saídos da adolescência que se iniciam no vício de fumar. Para esses não há, absolutamente, desculpa, pois estão devidamente informados dos enormes malefícios provocados pelo hábito de fumar.

* Paulo Afonso da Mata Machado – Analista do Banco Central do Brasil – Engenheiro Civil e Sanitarista pela UFMG – Mestre em Engenharia do Meio Ambiente pela Rice University.

EcoDebate, 13/09/2013
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