sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Pesquisadores questionam mosquitos transgênicos no combate à dengue

Método que utiliza manipulação genética para reduzir população do “Aedes aegypti” é criticado por não monitorar eventuais consequências no ecossistema. Coordenadora do projeto na Bahia defende pesquisa em campo.
Desde julho, moradores do município baiano de Jacobina participam indiretamente de um estudo que pretende conquistar um aliado na luta contra a dengue. Na cidade de 45 mil habitantes, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a ONG Moscamed, tentam comprovar que a liberação de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados no meio ambiente reduz drasticamente o tamanho da população de transmissores da doença – diminuindo assim o número de infectados, que neste ano já chega a 1,5 milhão de pessoas, segundo o Ministério da Saúde.

Desenvolvido pela empresa britânica Oxitec, que detém a patente, o método consiste em inserir um gene letal no mosquito macho, que o repassa à fêmea selvagem durante a cópula. Ela, por sua vez, gera filhotes destinados a morrer prematuramente. Em Jacobina, levantamentos mostram que a população de transmissores da dengue em seis meses de experimento já é 50% menor, de acordo com pesquisadora da USP Margareth Capurro, coordenadora do Projeto Aedes Transgênico (PAT).

O método já havia sido testado em menor escala em algumas vilas de Juazeiro, também na Bahia, com sucesso, resultando numa diminuição de até 90% da população do mosquito da dengue.

“Ratos de laboratório”

Apesar da euforia, o estudo gerou a desconfiança de cientistas ligados à transgenia. “A população de Jacobina está sendo feita de cobaia, são ratinhos de laboratório da Oxitec”, critica José Maria Gusmão Ferraz, professor da Universidade Federal de São Carlos e membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Integrante do Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ferraz esteve em Jacobina para fazer um relatório sobre o PAT. Ele diz que a população local não foi devidamente informada sobre o tipo de pesquisa e afirma não haver um código de ética com detalhes sobre os procedimentos em campo, onde 4 milhões de mosquitos transgênicos são liberados no ecossistema toda semana.
Mosquito macho geneticamente modificado gera prole destinada a morrer ao copular com fêmea silvestre

“Eu perguntei às pessoas o que era o tal ‘mosquito do bem’ e vi que ninguém sabe o que está acontecendo de verdade”, conta o biólogo em entrevista à DW Brasil, referindo-se à campanha de marketing iniciada pela Moscamed.

Gabriel Fernandes, assessor técnico da ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), afirma que toda pesquisa que envolve diretamente seres humanos e meio ambiente precisa passar por protocolos. Ele lamenta que “muito foi investido em propaganda, mas pouco para informar a população sobre o que é realmente um transgênico”.

Gene terminator

Um dos criadores da campanha “Brasil ecologicamente livre de transgênicos e agrotóxicos”, Fernandes ainda acusa os responsáveis pelo PAT de não monitorarem a parcela de fêmeas geneticamente modificadas que acabam sendo produzidas na fábrica de mosquitos da Moscamed no Nordeste. Ferraz questiona ainda que, sem um devido estudo, não se pode assegurar que essas fêmeas – que segundo ele chegam a 3% da produção – não ajudarão a formar uma segunda população, que poderá crescer mais rápido do que a silvestre e se tornar eventualmente “mais agressiva” na transmissão da dengue.

Outra possível falha, afirma o membro da CTNBio, seria o não monitoramento de um possível aumento do número de mosquitos Aedes albopictus, diante da supressão do aegypti. O albopictus é vetor para várias doenças tropicais como malária e febre amarela.

A tecnologia do mosquito transgênico já foi testada em alguns países como Malásia e nas Ilhas Caymann. Em uma grande comunidade, porém, a pesquisa brasileira é pioneira. “Há ainda o temor de que a ideia por trás seja dar os primeiros passos para a aprovação no Brasil do gene terminator, ou exterminador, também nas plantas. Esse é aquele gene que faz com o grão passe a ser apenas um grão, e não mais uma semente”, afirma Ferraz.
O incentivo à eliminação de criadouros de mosquito da dengue deve ser mantido, diz pesquisadora

Eficiência nos métodos

“Fizemos um trabalho sério de comunicação junto à população tanto em Jacobina, quanto em Juazeiro”, rebate Margareth Capurro. A coordenadora do PAT admite, porém, que o grupo de pesquisa não buscou anuência de todos os 45 mil moradores do município baiano – “isso seria inviável”, diz ela.

Capurro afirma ainda que as hipóteses levantadas pelo biólogo de São Carlos não preocupam sua equipe. Ela garante que o número de fêmeas liberadas pela fábrica é de apenas uma em cada sete mil machos e explica ainda que a prole dessas fêmeas geneticamente modificadas também morrem prematuramente. A pesquisadora afirma ainda que um aumento da população do Aedes albopictus diante do extermínio do aegypti está fora de cogitação, uma vez que as duas espécies coexistem no mesmo ambiente, mas se desenvolvem em microssistemas distintos.

Para ela, o método desenvolvido pelo PAT deve ser enxergado com bons olhos. “É mais eficaz do que inseticidas, altamente tóxicos e que matam outras espécies também”, defende, ressaltando que a manipulação genética não deve ser usada como único meio para combater o transmissor da dengue. Medidas simples, como eliminar reservatórios de água parada em casa, devem continuar sendo incentivadas junto à população.

Lucros milionários

Apesar das críticas, os testes com o mosquito geneticamente modificado continuam e o governo não descarta que, caso se confirme a eficiência do método na redução de casos de dengue, ele poderia ser adotado em larga escala no país. Segundo o Ministério da Saúde, uma reunião com especialistas está marcada para março do próximo ano para avaliar resultados tanto em Juazeiro quanto em Jacobina.
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“A implantação de qualquer nova tecnologia de combate à dengue deve obedecer critérios de custo, efetividade e segurança”, afirma o ministério, questionado pela DW Brasil. O órgão ressalta ainda que, para que seja incorporada ao SUS e reproduzida comercialmente por empresas privadas, a tecnologia precisa ter a aprovação de diversas entidades, como a CTNBio, a Anvisa e o Ibama.

Margareth Capurro rejeita as críticas de que a pesquisa, financiada em maior parte com recursos da Secretaria de Saúde da Bahia, tenha um caráter estritamente comercial. Ela lembra que remédios e vacinas, por exemplo, têm um efeito positivo importante na saúde pública e também geram lucros milionários às indústrias. “Além disso, o Brasil não será obrigado a comprar essa tecnologia”, afirma.

Um dos pontos que ainda precisam ser verificados com segurança é o impacto epidemiológico – ou seja, a redução no número de infectados pela dengue – alcançado com o método dos mosquitos transgênicos. A diminuição da população de Aedes aegypt não necessariamente é diretamente proporcional ao volume de casos da doença, como explica a pesquisadora Vanessa Morato, da Secretaria de Saúde da Bahia: “Um índice de 1% de infestação predial já é suficiente para permitir a circulação viral e o aparecimento de casos”.

O crescente número de infectados com dengue no Brasil nos últimos anos fez com que a doença se tornasse foco de preocupação por parte das autoridades. Levantamento divulgado pelo MS na semana passada mostra que 157 municípios brasileiros estão em situação de risco. O Ministério da Saúde anunciou ainda que dobrará, para 1,2 bilhão de reais, o volume de recursos repassados para combate à dengue.

Matéria de Mariana Santos, na Agência Deutsche Welle, DW, reproduzida pelo EcoDebate, 29/11/2013

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