sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Cearenses discutem sobre legalização da maconha

O Tribuna do Ceará conversou com um usuário, um ativista a favor e um delegado contrário a descriminalização da erva

19/12/2013

Como uma maneira de “desestressar”, o músico de 23 anos, que não quis se identificar, é usuário de maconha desde os 18 anos e não acredita na eficiência de leis que proíbem o uso no Brasil. Mesmo fumando com frequência, não considera ter um vício. “Não me atrapalha, eu conheço um motoboy que vai deixar. A proibição não serve de nada. É um tabu da cabeça das pessoas”, destaca. “Eu não paro por opção, porque não vejo como problema para a minha saúde. Por falta de dinheiro, já fiquei meses sem fumar e não tenho nenhum tipo de abstinência. Tenho vida produtiva como qualquer pessoa”, relata.

Relaxamento, euforia, sono, não necessariamente nessa ordem nem na mesma intensidade, são alguns dos efeitos normalmente descritos pelos usuários da erva. Após algum tempo, boca seca e um vazio no estômago: fome, conhecida como “larica”. De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2013 da Organização das Nações Unidas (ONU), a cannabis sativa ainda é a droga mais usada no mundo, mesmo sendo ilegal na maioria dos países.

Em dados divulgados na última terça-feira (17) pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), cerca de 2,7 toneladas de maconha foram apreendidas pelas polícias civil e militar no Ceará até o último mês de novembro. Valor superior ao apreendido em todo o ano de 2012, aproximadamente 1.7 toneladas. Já nas rodovias cearenses, a Polícia Rodoviária Federal conseguiu capturar mais de 1,4 toneladas da erva até agora. Em dados gerais da PRF, o estado foi o quinto estado com maior apreensão de droga em 2012.

“Enquanto o mundo está revendo sua política proibicionista, o Brasil continua no velho discurso de acabar com as drogas através de uma guerra”, critica o ativista do coletivo Plantando Informação, Nildo Júnior. Ele ainda aponta o conservadorismo e fundamentalismo religioso no Congresso Nacional como um forte adversário no diálogo sobre a descriminalização do uso da erva.

A discussão veio à tona, principalmente, após a decisão inédita do Uruguai que, em uma tentativa de guerra ao narcotráfico. No último dia 10 de dezembro, o país tornou-se o primeiro do mundo a assumir o controle de todo o processo de produção e venda da droga. Ainda que com ressalvas, os uruguaios e residentes do país maiores de 18 anos poderão comprar a erva em farmácias autorizadas, desde que tenham se registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da planta.

O Tribuna do Ceará conversou com um usuário, um ativista a favor e um delegado contrário a descriminalização da erva. Para o titular da Delegacia de Narcóticos do Ceará (Denarc), Pedro Viana, essa decisão histórica do país vizinho não vai acabar com o tráfico. “O governo vender não vai ser suficiente, no mundo sempre vai existir a clandestinidade. Existe a venda legal de arma, mesmo que seja restrita, nem por isso deixou de existir o comércio ilegal”, argumenta.
Outro ponto desconstruído pelo delegado foi a quantidade estipulada pelo governo uruguaio, que é o consumo máximo de 40 gramas por mês. “E se o cara quiser mais? Vai comprar na ilegalidade”, aponta Viana, que considera a medida negativa quanto ao combate do uso de drogas, principalmente com relação aos jovens. “Eu tenho a maconha como a porta de entrada para o uso de outras drogas. O jovem gosta do que é proibido e novo. Vai chegar um tempo em que a maconha não vai mais suprir e ele vai atrás de algo mais forte. É assim com a bebida alcoólica, começa com a caipirinha e depois já está no whisky”.

Foi com esse discurso que houve a criminalização da droga no século XX, segundo Nildo Júnior, que acredita ser um mito o argumento de que a maconha é a porta de entrada para outros vícios. “Com a proibição, a pessoa que vende a maconha é a mesma que vende drogas mais pesadas, como cocaína, crack, heroína. O que leva um indivíduo para outras drogas não é a maconha, e sim a facilidade de encontrá-las”.

Esse pensamento também foi compartilhado pelo usuário entrevistado pelo Tribuna do Ceará. Ele colocou ainda o comércio de bebidas alcoólicas mais destrutivo do que o da droga psicoativa. “Não tem sentido o governo permitir a venda de bebidas alcoólicas que provocam mortes e mais mortes por discussões e no trânsito, mas não vender uma erva que tem propriedades medicinais”. Para ele, muito além de uma questão de segurança, a legalização da maconha é de interesse da saúde pública.

Plantar, adquirir, guardar, vender, transportar ou levar maconha consigo é considerado crime na legislação brasileira. De acordo com a Lei de Drogas reformulada em 2006, usuários e dependentes não estão mais sujeitos à pena privativa de liberdade, mas a medidas socioeducativas aplicadas pelos Juizados Especiais Criminais. A lei prevê ainda a diferenciação entre usuários, dependentes e traficantes, sendo a avaliação feita pelo Juiz que analisa o caso e, se caracterizado como tráfico, a pena varia de 5 a 15 anos de prisão. “A quantidade é um dos critérios legais para fazer a distinção de uso ou tráfico. Na investigação policial são utilizados critérios objetivos como local e as condições em que a droga foi encontrada e uma pesquisa de conduta e antecedentes da pessoa”, pontua o delegado.

Na visão dos ativistas, muitos usuários estão sendo presos como traficantes devido a ausência de informações importantes na lei, como a determinação de quantidade mínima para caracterizar tráfico. “Por isso estão sendo presos superlotando as prisões, na sua grande maioria são jovens negros da periferia, o que mostra como essa política é segregadora”, ressalta Nildo.

Lei Antidrogas

De autoria do deputado Osmar Terra (PMDB), a proposta prevê a possibilidade de as famílias ou responsáveis legais de usuários de drogas requererem, mesmo sem a intenção do dependente, a internação em instituições de saúde para tratamento.

Para o coletivo Plantando Informação, essa medida desrespeita não só os direitos humanos como as políticas adotadas pela psiquiatria. “Isso é um retrocesso não só na política de drogas, mas na área de saúde mental, que tanto lutou por uma reforma psiquiátrica, sem falar que a ONU já considera internação compulsória como tortura”.

Além disso, o projeto determina ainda que comandos de organizações criminosas voltadas ao tráfico de entorpecentes poderão ser condenados a penas que variam entre 8 e 15 anos de prisão em regime fechado. Atualmente, a punição para quem vende, fornece, fabrica, importa ou exporta drogas é de 5 a 15 anos.

Mundo

As legislações de países como Holanda e Espanha assim como alguns estados dos Estados Unidos permitem a produção, o cultivo em clubes ou o consumo com restrições de maconha. Conhecida pelos “coffe shops” – lojas que vendem produtos com maconha – a Holanda não legalizou a maconha, mas o sistema adotou medidas descriminalizar o usuário e regularizar a venda de pequenas quantidades. Vários países, como Canadá e Israel, têm programas legais para o cultivo de maconha medicinal, mas não permitem o cultivo de maconha para uso recreativo. Em Portugal e na Argentina apenas o uso pessoal foi descriminalizado.

Coletivo

O Plantando Informação é um grupo antiproibicionista cearense, formado em 2008 por integrantes de diversas áreas da sociedade civil. Atua na luta por mudanças que respeitem os direitos humanos na elaboração de uma nova política de drogas no Brasil e integra o movimento Marcha da Maconha Brasil.

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