quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Encontro debate produção de vacinas em plataformas vegetais


O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) promoveu, na Assembleia Legislativa do Ceará, em Fortaleza, o Encontro sobre Tendências Tecnológicas em Plataformas Vegetais (ETPV). O evento, que contou com o apoio do governo cearense, de instituições acadêmicas e de empresários, teve como objetivo apresentar e debater o projeto de Bio-Manguinhos para o estado – a unidade da Fiocruz vai instalar uma fábrica de vacinas com produção baseada em tecnologias de plataformas vegetais e isso será feito juntamente com o estabelecimento de um centro regional da Fundação no município de Eusébio. Estiveram presentes à solenidade de abertura o governador Cid Gomes, o presidente da Assembleia, deputado José Albuquerque, o secretário de Saúde do estado, Ciro Gomes, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, além de reitores de universidades cearenses, dirigentes de empresas, pesquisadores, convidados internacionais e líderes de Bio-Manguinhos. A unidade da Fiocruz no Ceará produzirá inicialmente medicamentos para doenças raras, como o Taliglucerase Alfa Humana Recombinante, para a doença de Gaucher, e a primeira vacina do mundo a partir de uma planta, contra a febre amarela.
O evento, que contou com o apoio do governo cearense, de instituições acadêmicas e de empresários, teve como objetivo apresentar e debater o projeto de Bio-Manguinhos para o estado (Joselito Silveira / Governo do Ceará) 

Para o governador do Ceará, Cid Gomes, a instalação de Bio-Manguinhos no estado “é o projeto mais importante para o Ceará nos próximos 30 anos. Comparável ao que foi a criação da usina siderúrgica em Volta Redonda, no final da década de 1940. A iniciativa vai gerar empregos, renda, maior qualificação profissional e tecnologia de vanguarda. Terei orgulho e satisfação em contar aos meus netos que o projeto teve início na minha administração”, afirmou o governador. Segundo Gomes, já existem 11 projetos de empresas e instituições interessadas em se instalarem no Polo Industrial, que terá Bio-Manguinhos/Fiocruz, o Centro Tecnológico Renato Archer (vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia) e a empresa Isofarma como âncoras – o que facilitará o processo de desenvolvimento estadual. “O Ceará tem 4,5% da população nacional mas gera apenas 2,16% do PIB brasileiro – número que, embora baixo, é o recorde histórico do estado. E que também nos mostra o quanto precisamos crescer”.

De acordo com o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, a unidade produtora de vacinas levará o Ceará a um novo patamar de desenvolvimento. “O processo de descentralização da Fundação tem como uma das metas ajudar a alavancar as instituições dos estados, em uma parceria científica e tecnológica em favor da saúde da população. Bio-Manguinhos será, no Ceará, a ponta de lança desse movimento de transformação”, disse Gadelha. “A Fiocruz tem compromisso com um projeto de nação que vem desde a sua fundação, no início do século 20, e isso tem impactos extremamente positivos no desenvolvimento da saúde e da tecnologia, além de seguir diretrizes já consolidadas pelos governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma. Para Gadelha, a presença da Fiocruz no Ceará, como animadora e catalisadora, contribuirá para planejar o futuro, ampliando a cadeia de inovação (insumos e medicamentos) e levando o estado a um outro patamar. “A meta é que essas tecnologias vegetais permitam, mais para frente, levar a desdobramentos que gerem novas vacinas e medicamentos”.

O diretor de Bio-Manguinhos, Artur Couto, disse que a fábrica de vacinas será a primeira oportunidade de a unidade sair do Rio de Janeiro, expandir sua base e chegar a outras regiões. “Bio-Manguinhos produz atualmente 10 vacinas, 11 reativos para diagnóstico e 3 biofármacos. Exportamos vacinas para 74 países e somos o único laboratório brasileiro que tem certificação da OMS para distribuir imunizantes no exterior. Aqui no Ceará vamos continuar crescendo, em sintonia com a política de desenvolvimento da indústria nacional preconizada pelo governo federal”, afirmou Couto. Ele adiantou que o terreno onde ficará a fábrica tem 220 mil metros quadrados, sendo 88 mil de área construída. Serão gerados 400 postos de trabalho, num investimento de R$ 170 milhões. As obras começarão em 2014. A fábrica deverá ser inaugurada em 2016 e o primeiro lote de vacinas ficará pronto em 2018. “E, antenado com os nossos dias, o projeto de Bio-Manguinhos se destaca pelo respeito ao meio ambiente, pelo desenvolvimento da cadeia produtiva dos fornecedores, pela capacitação em recursos humanos nesse setor e por ganhos em P&D para o Ceará”.

O presidente do Conselho Político e Estratégico de Bio-Manguinhos e ex-diretor da unidade, Akira Homma, disse estar entusiasmado com o apoio que o projeto vem recebendo do governo do Ceará e da Assembleia Legislativa. “Fomos recebidos pelo governador e pelo presidente da Assembleia, que estão dando todo o incentivo necessário. Assim como os empresários e a sociedade civil, irmanados nesse processo que vai estabelecer um núcleo de tecnologia de ponta em terras cearenses”.

No futuro, vacinas comestíveis

A pró-reitora de Pesquisa e Graduação da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Maria Madalena Guerra, representando a Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio), disse que a instalação da Fiocruz no Ceará dará uma contribuição de grande relevância ao desenvolvimento da região e tem a seu ver um acertado foco de íntima relação com a indústria local, visando ainda promover a interação desta com a academia. “A Renorbio, formada por 12 instituições nucleadoras, as universidades federais do Nordeste, quer participar dessa proposta trazida pela Fiocruz. Temos 800 projetos em andamento nas instituições associadas, na área da biotecnologia”.

Para o pesquisador Julian Ma, responsável pelo Departamento de Imunologia Celular do Hospital Saint George, da Universidade de Londres, uma das oportunidades que se abrem para a nova fábrica é a de produzir medicamentos a custos muito mais acessíveis e com chances bem maiores de chegarem à população. “Há muito dinheiro envolvido na pesquisa e fabricação de remédios, sem falar no tempo que é gasto. De cada 10 mil projetos pesquisados, apenas 1 se torna medicamento”, afirma Ma, que desenvolveu a primeira descrição de um anticorpo monoclonal expresso em plantas e suas aplicações clínicas em imunoterapia humana contra a cárie dentária. Segundo o pesquisador, trabalhar com plataformas vegetais é bem mais barato e, portanto, o projeto da Fiocruz significará uma substancial economia para os cofres públicos. Ele também comentou a possibilidade de criação de vacinas comestíveis, que permitiriam uma imunização mais eficaz e fácil de ser feita. ”O Exército dos Estados Unidos tem investido consideráveis somas de dinheiro em projetos do tipo e o balanço das iniciativas é positivo. No futuro, teremos capacidade de produzir em uma escala muito maior, barateando tratamentos e incrementando ações de saúde pública”.

Ma disse que hepatite B, cólera e disinteria, Aids, tuberculose, raiva e diabetes são algumas das doenças que poderão ser combatidas por meio da ingestão de alimentos geneticamente modificados, ao serem “inseridas” em frutas e legumes. O sistema consiste em selecionar o fragmento do DNA do vírus que produz a proteína capaz de combatê-lo e transferi-lo em laboratório para o alimento que, uma vez ingerido, permite o desenvolvimento de anticorpos específicos contra as enfermidades. O acordo firmado por Bio-Manguinhos com o Instituto Fraunhofer para Biotecnologia Molecular e a iBio, para produzir um novo imunizante contra a febre amarela, mais seguro e eficaz, com baixo índice de reações ou eventos adversos nos pacientes, e que será desenvolvido por meio de plataforma vegetal foi citado pelo pesquisador como um exemplo de parceria internacional em área de ponta da biotecnologia.

O pesquisador da Embrapa Elibio Rech disse que em breve existirão imunizantes produzidos a partir de outras plataformas vegetais, como o milho, o arroz, o coco e o tabaco. “Uma das principais apostas para o futuro é a soja”, disse Rech, que esteve à frente do desenvolvimento da soja transgênica e montou um laboratório-estufa com cerca de 600 plantas com anticorpos anticâncer, hormônios do crescimento e moléculas anti-HIV inseridos em seu DNA. Mas ele deixou claro que esses produtos não se destinam ao consumo humano e são estudados apenas para produzir medicamentos. Comparando com pesquisas feitas com animais, o uso de plantas é 40 vezes menor. De acordo com Rech, a Embrapa tem desenvolvido moléculas transgênicas recombinantes, como a insulina transgênica e o hormônio do crescimento. Ele afirmou que a empresa tem testado diversas plantas transgênicas, para saber quais podem ser viáveis economicamente. “A soja, por exemplo, numa estufa com 24 horas de luz, produz 10 vezes mais. Se no campo a planta gera 100 sementes, em nossa estufa esse número pode chegar a mil sementes. Queremos montar uma biofábrica, que permita vencer antigos problemas de saúde enfrentados pela Humanidade. Acredito que estamos no caminho certo”.

Em busca de uma vacina contra a dengue

A dengue, doença contra a qual não existe imunizante, foi abordada pela professora Maria Izabel Guedes, da Universidade Estadual do Ceará (Uece). A pesquisadora e seu grupo de trabalho desenvolvem um projeto que pretende obter uma vacina contra a dengue baseada em tecnologia vegetal. “Usamos o feijão de corda para produzir a proteína do vírus da dengue em nosso projeto. Com o crescimento das plantas, as proteínas do vírus da dengue se multiplicam e a planta se torna uma biofábrica. Depois de alguns dias, com a coleta das plantas e a consequente trituração delas, extraímos as proteínas purificadas do vírus”, observou Maria Izabel. Ela acrescentou que os resultados obtidos até o momento são promissores e que abrem a possibilidade de se chegar à primeira vacina contra a dengue.

Os estudos, no entanto, não buscam apenas gerar vacinas para doenças contra as quais não há ainda imunizantes, mas também apresentar novas propostas para vacinas que já existem. A bioquímica Rosane Cuber, de Bio-Manguinhos, discorreu sobre a pesquisa que poderá levar a um novo imunizante contra a febre amarela. Segundo ela, isso se deve ao fato de a vacina atual ter gerado eventos adversos graves com as cepas 17DD e 17D204. “Apesar de estaticamente os números serem bem baixos, ainda assim estamos trabalhando em um imunizante que seja mais seguro, sem contar com proteína animal, e eficaz, com custos de produção menores, de manufatura mais simples e com escala de fabricação maior”, afirmou Rosane.

Outra possibilidade foi apresentada pelo pesquisador da UnB Tatsuya Nagata, especialista em vírus vegetais e humanos. Em seus estudos, Nagata vem tentando obter um reagente que permitirá detectar a dengue. O reagente, feito a partir de alface no qual foi injetado o gene do vírus da dengue, produzirá uma partícula viral defeituosa que será aproveitada e misturada ao sangue coletado. Conforme a reação, o medicamento indicará se o paciente está com os anticorpos do vírus da dengue. Nagata disse que o reagente será uma alternativa também para que não sejam mais necessários os testes com camundongos, já que atualmente o preparo do antígeno resulta na morte dos animais. E é possível que, no futuro, o método torne viável a elaboração de uma vacina comestível.

Data: 18.12.2013

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