terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Café e dependência

Do site da
O café não causa vício, mas sim um hábito saudável, como o exercício
Prof. Dr. Darcy Roberto Lima, MD, PhD

Uma das principais críticas das pessoas que não gostam ou que ainda possuem preconceito contra o café é de que a bebida causa dependência. Talvez seja pela água que o café possui. Pois caso uma pessoa seja colocada numa sala com alimentos, mas sem água por uns poucos dias, ela reclamará a falta da água. E apresentará sinais de dependência da água. Boca seca, sede intensa, apatia, prostração e fraqueza são sinais iniciais da falta de água. A seguir podem surgir delírios, alucinações e alterações do comportamento. A pessoa lentamente fica confusa e perde a consciência. A seguir entra em coma e morre. A primeira coisa que cada ser humano faz ao nascer é se tornar dependente químico. Ao respirar pela primeira vez o recém nascido torna-se dependente do oxigênio para todas as atividades bioquímicas de seu organismo. A seguir torna-se dependente químico do mais nobre dos alimentos: o leite materno. E o amor e carinho da mãe, o qual traz prazer e proteção ao recém nascido. Mais tarde amplia esta dependência química para proteínas, glicídios, lipídeos, vitaminas e sais minerais. São substâncias vitais para o ser humano. E durante sua vida todo o ser humano torna-se dependente das reações químicas que ocorrem no seu cérebro causando prazer, alegria, felicidade e amor, decorrente de diversas coisas naturais como a família, amigos, trabalho.

Tudo que ocorre na nossa vida causa reações químicas no cérebro que são responsáveis pela alegria ou tristeza, prazer ou dor, bem como todas as outras emoções possíveis. E além de formas naturais de prazer, existem formas artificiais, como as drogas. O egoísmo humano ainda é um dos mais poderosos instintos, vinculado aqueles da sobrevivência, como nutrição e reprodução. Este instinto faz com que aqueles incapazes de lutar e obter sua felicidade de forma natural tentem conhecê-la pelo menos de forma temporária e artificial através do consumo de drogas. Por isto podemos nos tornar dependentes de coisas saudáveis, como água, leite, café e exercícios (hábitos saudáveis) ou dependentes químicos de substâncias que prejudicam a saúde (vício), como o tabaco, álcool e drogas ilegais.

Todo cérebro humano usa apenas 10 % de sua capacidade. Mas todo ser humano quer mais do que sua capacidade e além de sua vontade. Todo mundo que ser um super-homem (ou mulher-maravilha), ter um super-cérebro para obter um super-sucesso com uma super-fortuna e uma super-fama. Mas nesta busca poucos são os que chegam ao sucesso e muitos os que conhecem o fracasso, a frustração e daí, a depressão e o uso de álcool e outras drogas. A química cerebral que leva a depressão e ao uso compulsivo de drogas com perda do controle, criando a dependência, começou a ser compreendido apenas recentemente. O bombardeamento excessivo do cérebro por estas substâncias causa adaptações moleculares permanentes de diversos sistemas neuronais. Dentre as drogas que causam dependência, apenas os opióides e o álcool interagem com neurônios causando uma significativa dependência somática. Por outro lado, todas as drogas que causam dependência (nicotina, cocaína, álcool, maconha) parecem ativar e produzir alterações permanentes nos circuitos dopaminérgicos do sistema límbico que controlam a motivação e o comportamento.

Acredita-se que a principal via envolvida na origem da dependência a drogas parece ser a via dopaminérgica que se estende da área tegmental ventral, uma região de formação reticular mesencefálica que envia fibras para áreas telencefálicas pertencentes ao sistema límbico, como o núcleo amigdalóide, a área septal e o córtex do giro do cíngulo. Esta via mesolímbica também parece estar envolvida na motivação e comportamento necessário para a sobrevivência humana e para o processo reprodutivo, incluindo o próprio ato da reprodução.

O próprio processo de escolha e consumo de alimentos pode não ter sido uma forma específica de seleção no processo evolutivo. Talvez a ativação deste sistema mesolímbico dopaminérgico, alimentos (e drogas) podem levar a uma gratificação e condicionamento, fortalecendo mecanismos de memória e aprendizado. Quando algo estimula este sistema, imediatamente é reconhecido e lembrado vividamente, inclusive as circunstâncias que levam ao seu uso ou consumo.

A cocaína, a nicotina, os opióides e o etanol são todos originariamente subprodutos de plantas ou da fermentação natural e atuam como substâncias condicionantes e capazes de gerarem dependência porque mimetizam ou aumentam as ações dos neurotransmissores que atuam nos mecanismos de gratificação, prazer e aprendizado do ser humano. A cocaína inibe a recaptação da dopamina, aumentando sua duração e seus efeitos nas sinapses do sistema mesolímbico enquanto que a anfetamina libera a dopamina dos neurônios dopaminérgicos. Opióides como a morfina e a heroína mimetizam neurotransmissores opióides (encefalinas) que atuam diretamente no núcleo acumbens mas que podem também atuando de forma desinibitória na área tegmental ventral(VTA), favorecendo a liberação de dopamina. A nicotina mimetiza a ação de acetilcolina nos receptores nicotínicos centrais enquanto que o etanol possui um poderosos efeito facilitador nos receptores GABAérgicos. Embora as ações da nicotina e do etanol nos circuitos de gratificação do cérebro não sejam ainda completamente conhecidas, sabe-se que ambas as substâncias causam uma maior liberação de dopamina no núcleo acumbens e sistema límbico (ver Figura 1).

E este aumento dos níveis de dopamina pode ser inibido em diversas etapas, como através do uso de antagonistas de receptores opióides do sistema, como o naltrexone, o qual se constitui num novo avanço no tratamento do alcoolismo. Descobertas recentes em medicina caracterizaram que o ser humano, além de selecionar plantas (nicotina, cocaína, heroína, álcool) que estimulem esta forma de prazer no sistema límbico, também identificou plantas que podem estimular o córtex cerebral, aumentando a atenção e memória, além de bloquear a função exagerada do sistema límbico através deste sistema opióide, modulando ou interferindo no desejo de auto-gratificação que leva ao consumo de drogas. Isto explica porque o café é a planta mais consumida no mundo.

O problema é ser dependente de algo que prejudique a saúde - o vício (álcool, tabaco, drogas ilícitas). O que não é o caso do café, se ingerido em doses moderadas e de forma regular. Uma pessoa se torna dependente de algo prejudicial quando não consegue todos ou a maioria dos itens que causam a dependência saudável. O Quadro 1 apresenta as principais causas de dependência saudável ou prejudicial ao ser humano.

Figura 1 - Circuito de prazer/gratificação do cérebro 
Explicação - Figura 1

No sistema límbico existe uma rede de conexões entre células nervosas que liberam peptídeos endógenos (encefalinas, endorfinas), os quais regulam o teor final de dopamina, no núcleo acumbens. Esta via parece estar envolvida na motivação e comportamento necessário para a sobrevivência humana, incluindo o próprio ato da reprodução. Por exemplo, a escolha e o consumo de alimentos podem não ter sido selecionados de forma específica no processo evolutivo mas através da ativação do sistema límbico dopaminérgico, alimentos (e drogas) podem levar a uma gratificação e condicionamento, fortalecendo mecanismos de memória e aprendizado. Quando algo estimula este sistema, imediatamente é reconhecido e lembrado vividamente, inclusive as circunstâncias que levam ao seu uso ou consumo. A cocaína, a nicotina, os opióides e o etanol são todos originariamente subprodutos de plantas ou da fermentação natural, e atuam como substâncias condicionantes e capazes de gerarem dependência porque mimetizam ou aumentam as ações dos neurotransmissores que atuam nos mecanismos de gratificação, prazer e aprendizado do ser humano. A cocaína inibe a recaptação da dopamina, aumentando sua duração e seus efeitos nas sinapses do sistema mesolímbico, enquanto que a anfetamina libera a dopamina dos neurônios dopaminérgicos. Opióides como a morfina e a heroína mimetizam neurotransmissores opióides, que atuam diretamente no núcleo acumbens mas que podem também atuar de forma desinibitória no sistema límbico, favorecendo a liberação de dopamina. A nicotina simula a ação de acetilcolina nos receptores nicotínicos centrais, enquanto que o etanol possui um poderoso efeito facilitador nos receptores do aminoácido Gama-Amino-Butírico (GABA). A nicotina e o álcool causam uma maior liberação de dopamina no sistema límbico. E este aumento dos níveis de dopamina pode ser inibido em diversas etapas, como através do uso de antagonistas de receptores opióides. O remédio naltrexona, usado no tratamento do alcoolismo, atua bloqueando os receptores opióides no início do circuito de gratificação do sistema límbico e o fármaco bupropiona, usado no tratamento do tabagismo, atua no final do circuito aumentando os níveis de dopamina, modulando e suprimindo assim o desejo excessivo de prazer obtido através da nicotina, sendo um eficaz agente no controle do tabagismo (Adaptado de Hyman, 2001 e Messing, 2001).

Quadro 1 - Causas de dependência
REFERÊNCIAS: 

1 - Nehlig, A.; Daval, J. L.; Debry, G. Caffeine and the central nervous system: mechanism of action, biochemical, metabolic and psychostimulant effects. Brain Res. Rev., 1992. v. 17, p.139-170.
2 - Lima, D. R. Cafeína e Saúde. Rio de Janeiro: Record, 1989. 130 p.
3 - Lima, D. R. Cuidado!!! O popular café e a poderosa mulher... podem fazer bem à saúde. Petrópolis: Medikka Ed. Científica, 2001. 111 p.
4 - Lima, D. R. História da Medicina. Rio de Janeiro: Medsi Ed. Científica, 2003. 324 p.
5 - Lima, D. R. Manual de farmacologia clínica, terapêutica e toxicologia. Rio de Janeiro: Medsi Ed. Científica, 2003. 3 Volumes, 3.456 p.
6 - Lima, D. R. QI, Café, Sono e Memória. Rio de Janeiro: ECN, 1995. 120 p.

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