terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Crise financeira na Espanha: Adeus eletricidade, luz e aquecimento, artigo de Esther Vivas

[EcoDebate] A pobreza, atualmente, já não implica apenas não ter trabalho, o dinheiro não chegar até ao fim do mês, não poder pagar a renda da casa ou a prestação do empréstimo, mas também, não poder acender a luz, tomar uma ducha ou ter aquecimento. A nossa pobreza é invisível.

Se nesta época não se acendessem as luzes de Natal porque a administração não pudesse pagar a tarifa da eletricidade, veríamos a notícia nas capas dos jornais e na abertura dos noticiários da televisão. Todos gritaríamos. Pelo contrário, se na minha casa não puder acender a luz, ligar o radiador ou a máquina de lavar parece que isso não importa. Ainda que tal situação afete já 10% dos lares do Estado espanhol, cerca de quatro milhões de pessoas. O que não se vê, não conta.

A pobreza, atualmente, já não implica apenas não ter trabalho, o dinheiro não chegar até ao fim do mês, não poder pagar a renda da casa ou a prestação do empréstimo, mas também, não poder acender a luz, tomar uma ducha ou ter aquecimento. É o que se chama pobreza energética. E segundo a Associação de Ciências Ambientais, as suas consequências são: mais problemas de saúde, pior qualidade de vida e mortes. “Estima-se que a pobreza energética é responsável em Espanha por entre 2.300 e 9.300 mortes prematuras”, afirma a associação. Mortes que, tudo indica, não contam.

E não contam porque perante uma situação de emergência social, como a descrita, vemos que o preço da eletricidade não pára de aumentar. Assim foi anunciado hoje (19 de dezembro): o recibo da luz subirá em janeiro cerca de 11,5%. O Governo, uma vez mais, agacha-se às empresas elétricas, pondo os interesses econômicos destas à frente das necessidades básicas das pessoas, como não passar frio no inverno, cozinhar ou acender a luz. A ganância do capital não conhece princípios nem tem moral.

Nos últimos dez anos, o recibo da luz aumentou 78% e o preço do kW 119%, segundo dados da FACUA/1, “obrigado” às políticas de liberalização do mercado levadas a cabo tanto pelo governo do Partido Popular como do PSOE. O oligopólio das elétricas é, definitivamente, quem dita as Leis do setor. Se não podes pagar a fatura, adeus eletricidade, adeus luz, adeus aquecimento. Não importa se não tens rendimentos. O PP já recusou, em certa altura, uma trégua no inverno para as famílias mais desfavorecidas. Vem-me agora à lembrança o slogan de campanha de Mariano Rajoy nas últimas eleições: “Junta-te à mudança”. Então, “esqueceram-se” de explicar em que consistia exatamente a mudança. Duvido, se o fizessem, que tivessem ganhado.

Se nos tiram a água, a luz, a eletricidade, como têm tirado a muitas pessoas, também, as suas casas, não nos restará outra opção que tomar o que é nosso. Assim o fizeram durante anos diversos movimentos sociais em países do Sul repondo serviços essenciais às pessoas a quem eles foram cortados. Vemos o mesmo tipo de ação, também agora aqui com a Obra Social da Plataforma de Afetados pela Hipoteca, ajudando quem fica sem lar, enquanto milhares de casas se encontram vazias e nas mãos dos bancos. Uns amigos meus já puseram em prática essa ação e põem as suas “habilidades” à disposição de quem precise. Animá-los-ei a fazerem um workshop. Acho que se esgotarão as entradas.

Artigo publicado em Publico.es em 19 de dezembro de 2013. Tradução de Carlos Santos para Esquerda.net.

1/ FACUA – Consumidores en Acción é uma ONG de defesa dos consumidores do Estado espanhol.

**Esther Vivas, Colaboradora Internacional do Portal EcoDebate, é ativista e pesquisadora em movimentos sociais e políticas agrícolas e alimentares, autora de vários livros, entre os quais “Planeta Indignado”. Esther Vivas é licenciada em jornalismo e mestre em Sociologia. Seus principais campos de pesquisa passam por analisar as alternativas apresentadas por movimentos sociais (globalização, fóruns sociais, revolta), os impactos da agricultura industrial e as alternativas que surgem a partir da soberania alimentar e do consumo crítico.


EcoDebate, 07/01/2014

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