sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Fósforo na agricultura: A centelha vital


Maurício Antônio Lopes
Presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa

Fósforo. A referência imediata é o palito de fósforo. Equivocada: o “palito de fósforo” não tem fósforo. Tem clorato de potássio, enxofre e parafina. O fósforo está na lixa da caixinha, onde se risca o palito. Misturado a areia e a vidro moído, o fósforo da caixinha provoca a faísca de calor intenso que incendeia o clorato de potássio e a parafina do palito. E, assim, nos permitiu dominar e guardar o fogo com segurança, uma das maiores aquisições tecnológicas da humanidade que só aconteceu nos anos 1800.

Outra referência vem da infância: fósforo é bom para a inteligência, diziam nossos pais. Para a memória e o raciocínio, queriam dizer. Aqueles ligados à agricultura sabem que é um fertilizante essencial. Mas, a menos que falte energia elétrica ou isqueiro para acender um fogo, a maioria de nós não pensa muito nele.

No entanto, hoje o mundo está discutindo a possibilidade de uma futura crise no abastecimento de fósforo. Jeremy Grantham, o consultor financeiro que anteviu a bolha da internet e a recente bolha imobiliária, nos Estados Unidos, atento à relação entre população e alimentos, passou a recomendar que se invista em direitos de extração de insumos, do zinco ao petróleo. Mas, para ele, o fosfato de rocha é o mais valioso, o mais importante e mais crítico para o futuro das nações. Porque é imprescindível e, pelo que sabemos, insubstituível e finito.

O fósforo é vital para o crescimento e desenvolvimento da vida. Está entranhado no metabolismo de pessoas, plantas e animais. Fortalece as paredes celulares e participa na síntese de proteínas, na estruturação do DNA e RNA, na codificação genética, fotossíntese e fixação de nitrogênio.

É componente integral das moléculas do ATP (trifosfato de adenosina), o combustível das células. Atua no processamento de gorduras e açúcares, na mobilização de cálcio para formar ossos e dentes, na contração muscular, transmissão de impulsos nervosos, secreção de hormônios e manutenção do pH do sangue. Nascemos com ele, mas o suprimento diário vem dos alimentos. Daí porque fertilizante e pesticida estejam entre seus usos mais importantes, embora o usemos em coisas como detergentes, lâmpadas, aço e bronze.

O problema é que o fósforo não pode ser produzido. Pode apenas ser localizado e aplicado onde necessário. Ele foi isolado em 1669 por Henning Brand, um alquimista amador, de um extrato de urina. Por cem anos, essa foi a única fonte de fósforo, até que foi encontrado e extraído dos ossos e, muito depois, de rochas sedimentares e ígneas, de origem vulcânica.

Sua origem é incerta. Imagina-se que, a exemplo do hidrogênio, do carbono e de outros elementos essenciais à vida, seja produzido pela explosão de estrelas, hipótese fortalecida pela descoberta recente de que há 100 vezes mais fósforo nos remanescentes da explosão da supernova Cassiopea A do que em qualquer outra parte da Via Láctea. Carl Sagan já disse que nós somos feitos de “star stuff”, ou seja, do “brilho das estrelas”, numa tradução poética. É lisonjeiro, mas não garante um suprimento imediato à Terra.

As reservas mundiais de fosfato de rocha conhecidas, criadas nas eras de formação da Terra, são da ordem de 290 bilhões de toneladas. Dado o consumo atual, estima-se que se acabem em apenas 300 ou 400 anos. Não é um alarme. É um problema apresentado, à espera de soluções.

As esperanças recaem sobre a ciência. As estratégias mais imediatas buscam, de um lado, aumentar eficiência e reduzir perdas da mineração e do beneficiamento e, de outro, recuperar milhões de toneladas de fósforo, entranhado em rochas de baixo teor ou descartado como lixo e efluentes.

O Brasil, com solos pobres e reservas entre 2,8 e 4 bilhões de toneladas de rochas com baixo teor de fósforo de difícil extração, importa 57% do fostato que usa. Por isso, a Rede de pesquisa FertBrasil, que reúne universidades, institutos estaduais e a Embrapa, trabalha para usá-lo com maior eficiência, aproveitar os resíduos da mineração, recuperá-lo dos esgotos, do lixo urbano e dos resíduos agropecuários como dejetos de suínos, bovinos e aves, para reaproveitá-los como fertilizante.

O fósforo é nossa centelha vital. Enquanto trabalha o possível e o palpável, a ciência sonha com perguntas mais ambiciosas. Conseguiremos buscá-lo nas estrelas? Poderemos substituí-lo no DNA ou na fotossíntese? A ciência terá 400 anos para respondê-las. Não é impossível. Em 200 anos, a humanidade dominou o fogo e o guardou numa caixinha de palitos de fósforo.

Artigo publicado pelo jornal Correio Braziliense em 11 de janeiro de 2014
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