quarta-feira, 30 de abril de 2014

A academia que dialoga com a população

Por que a andiroba tem propriedade anti-inflamatória? Uma pessoa de mais idade e sem formação superior provavelmente diria que outras gerações de sua família já conheciam seus efeitos curativos. Um cientista usaria termos técnicos para explicar que substâncias fitoterápicas reagem com o organismo. Para a Extensão Universitária, ambas as respostas são legítimas e têm o mesmo peso enquanto produção de conhecimento.

Para debater a interação entre os dois saberes, será realizada em Belém a sexta edição do Congresso Brasileiro de Extensão Universitária – 6° CBEU. O evento vai ser entre os dias 19 a 22 de maio de 2014. É a primeira vez que uma capital da Amazônia recebe o principal congresso da área, e a expectativa é reunir cerca de 3 mil participantes de todo o país.

Com o tema “Diálogos da Extensão: Saberes Tradicionais e Inovação Científica”, o evento pretende ser um espaço para discutir, socializar experiências e definir estratégias para o futuro da Extensão Universitária no Brasil. A extensão, reconhecida como um dos tripés da universidade, ao lado do ensino e da pesquisa, vem a ser um processo acadêmico definido a partir das exigências da realidade e, portanto, indispensável à formação de alunos, qualificação de professores e ao intercâmbio com a sociedade.

O congresso é coordenado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e tem a participação de outras dez instituições de ensino superior da região: Ufra, Uepa, IFPA, Unama, Cesupa, Famaz, FCAT, Fibra, Feapa e Estácio - FAP.

EXTENSÃO

Segundo o diretor e professor da faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Pará, Marcos Valério da Silva Santos, a Extensão Universitária exercida nas universidades tem a missão de romper o distanciamento entre as duas formas de conhecimento, mas destaca que a ciência ainda impõe barreiras para legitimar outras formas de produção de saber. “Por muito tempo, o estatuto da ciência estabeleceu algumas questões que hoje nós avaliamos como equivocadas. Primeiro, chamar o conhecimento popular ou tradicional de senso comum. Isso não é verdade. Esse saber representa uma elaboração muito mais formatada e estruturada que o conhecimento científico porque perpassa gerações. No entanto, o estatuto da ciência se apropria dele e fala que só passa a ter valor se tiver o seu reconhecimento”.

O professor coordena o projeto de Extensão Portal de Plantas Medicinais e Fitoterapia na Atenção Integral à Saúde, que tem como objetivo difundir informações sobre plantas medicinais e prática da fitoterapia junto à comunidade, além de promover oficinas educativas sobre saúde e doença, reconhecimento de plantas, cultivo ideal, partes utilizadas, indicação e riscos do uso, ações realizadas com a participação da mesma.

O conhecimento de plantas medicinais foi uma das alternativas para solucionar os problemas de saúde enfrentados pela comunidade brasileira. Falta de saneamento básico, hospitais e o elevado custo dos produtos farmacêuticos são alguns dos motivos que levam a comunidade a produzir medicamentos próprios, conforme o conhecimento que adquiriram com outras gerações. “São pessoas que sofrem, sentem e que, via de regra, não têm recursos financeiros para recorrer a determinado tipo de tratamento convencional ditado pela grande indústria de medicamentos”, afirma Marcos Valério.

O projeto do professor Marcos cumpre, na área da saúde, o papel fundamental de aliar a o saber sistematizado da academia ao saber tradicional passado geração após geração pela sabedoria popular. Como este, existem diversos outros projetos criados a partir das universidades públicas ou particulares tentando estabelecer um vínculo com a comunidade em que se inserem. As atividades desenvolvidas por esses projetos junto à comunidade são chamadas atividades extensionistas. Mas qual o perfil da extensão? É possível afirmar que a universidade brasileira, orgulhosa de seus avanços no campo da pesquisa, tem conseguido se fazer ouvir e, além, estabelecer uma interlocução com os atores sociais de fora dos seus muros?

A extensão segue sendo desprestigiada com relação ao ensino e à pesquisa, e a universidade precisa se abrir ao diálogo de modo a restabelecer a pretensa indissociabilidade à extensão. Para isso, é necessário que desde os projetos de extensão haja uma mudança de postura e uma disposição verdadeira ao diálogo com os outros tipos de saberes.

O pró-reitor de Extensão da UFPA, professor Fernando Arthur de Freitas Neves, enfatiza que “parte dos conhecimentos tidos por vulgo um dia já fora ciência recomendada assimilada pelos povos. Algumas referências culturais tornadas tabus foram posteriormente creditadas por conta da investigação acadêmica, revelando propriedades em seus ensinamentos. Contudo, a cultura contemporânea às vezes menospreza estes saberes e seus métodos de observação, compreensão e as conclusões extraídas”.

Kleyton Silva e Lidyane Albim (ASCON UFPA)

Fonte: Diário do Pará, Belém 21/04/2014.
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