quarta-feira, 25 de junho de 2014

Povos indígenas e camponeses alimentam o mundo com menos de um quarto da terra agrícola mundial

Aqueles que fazem parte das organizações camponesas e indígenas mundo afora e todos aqueles que mantêm alguma proximidade e solidariedade com suas lutas sabem que a falta de terra e a expulsão do campo são hoje processos extremamente graves. Entretanto, um número considerável de especialistas não deixa de assegurar que a maior parte da terra continua nas mãos dos camponeses e indígenas.

O GRAIN realizou uma profunda análise das informações existentes para dar-se conta do que está acontecendo, e o resultado é muito claro: mais de 90% das e dos agricultores do mundo são camponeses e indígenas, mas controlam menos de um quarto da terra agrícola mundial. E com essa pouca terra, as informações disponíveis mostram que produzem a maior parte da alimentação da humanidade. Se o campesinato e os povos indígenas continuarem a perder suas terras, estaremos diante de processos de extermínio de povos e culturas, e o mundo perderá sua capacidade de se alimentar. Precisamos urgentemente devolver a terra às mãos dos povos do campo e lutar por processos de reforma agrária e restituição territorial que viabilizem o direito a uma vida digna e o direito a existir como povos de quase metade da humanidade e, simultaneamente, permitam assegurar melhores sistemas alimentares.

A análise está publicada no sítio do GRAIN, 10-06-2014. A tradução é de André Langer.

Na abertura do Ano Internacional da Agricultura Familiar, em 2014, José Graziano da Silva, diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), derramou-se em elogios sobre a agricultura familiar e assinalou que as famílias agricultoras trabalham atualmente a maior parte das terras agrícolas mundiais (1) – a bagatela de 70%, segundo sua equipe. (2) Em outro estudo publicado por várias agências das Nações Unidasem 2008 concluiu-se que os pequenos agricultores ocupavam 60% das terras aráveis do mundo. (3) Outros estudos chegaram a conclusões parecidas. (4) Com tais cifras, não é surpresa que os temas da reforma agrária ou da restituição territorial sequer sejam mencionados.

Se a maioria da terra de cultivo está em mãos camponesas, por que existem tantas organizações camponesas e indígenas que clamam por redistribuição de terras e reforma agrária? Porque apesar do que se diz, camponeses e indígenas não têm nem remotamente a maior parte da terra e, na realidade, em todos os lugares, o acesso à terra por parte dos povos rurais está sob ataque. DeHonduras até o Quênia e daPalestina até as Filipinas, os povos foram desalojados das suas terras e vilarejos. Aqueles que resistem estão sendo presos ou assassinados. Lutas agrárias massivas na Colômbia, protestos de líderes comunitários emMadagascar, marchas nacionais de sem terra na Índia, ocupações na Andaluzia – a lista de ações é longa. Em resumo, a terra está se concentrando cada vez mais nas mãos dos ricos e poderosos e não na de camponeses e indígenas.

Em relação à produção de alimentos, ouvimos mensagens contraditórias. Nos últimos anos, cada vez mais centros acadêmicos e organismos internacionais reconheceram que mais da metade dos alimentos vem da pequena agricultura e, especialmente, da contribuição das mulheres. Mas, chegado o momento de buscar uma solução para a fome, ouve-se apenas falar em apoiar grandes concentrações de terras, a agricultura industrial e a monocultura transgênica, etc. Tudo isto porque o sistema industrial seria “mais eficiente”.

Ao mesmo tempo, nos é dito que 80% das pessoas com fome em nível mundial concentram-se em áreas rurais e muitas delas são agricultores ou trabalhadores agrícolas sem terra.

Como encontrar sentido em tudo isto? O que é verdade e o que não é? O que devemos fazer para enfrentar estes desequilíbrios? Para ajudar a responder a algumas destas perguntas, oGRAIN decidiu realizar um exame mais aprofundado destes fatos. (5) Examinamos país por país as informações disponíveis sobre a quantidade de terra realmente nas mãos do campesinato e dos povos indígenas e quantos alimentos produzem nessa terra. (6)

Os números, suas fontes e limitações e o que eles nos dizem

Ao reunir os dados, sempre que foi possível usamos as estatísticas oficiais e especialmente os censos agrícolas de cada país, complementados com o FAOSTAT (base de dados da FAO) e outras fontes da FAO quando foi necessário. Em relação ao número de pequenas propriedades ou propriedades camponesas, em geral usamos a definição que cada autoridade nacional utiliza, já que as condições destas propriedades em países diferentes e diversas regiões podem variar muito. Para os países onde não existiam definições próprias disponíveis, usamos o critério do Banco Mundial, que define como pequena propriedade ou propriedade camponesa todo estabelecimento rural menor de dois hectares.

Quando examinamos as informações, vimo-nos confrontados com várias dificuldades. Os países definem os camponeses e pequenos agricultores de diferentes formas. Não há estatísticas centralizadas sobre quem têm qual quantidade de terra. Não há bases de dados que registrem a quantidade de produção de acordo com sua origem. Além disso, fontes diferentes oferecem números muito variados sobre a quantidade de terra agrícola disponível em cada país.

Tendo isto em conta, as informações recolhidas têm significativas limitações, mas são as melhores disponíveis. O conjunto de dados que elaboramos está totalmente respaldado por referências que estão disponíveis ao público on line e fazem parte integral deste relatório. (7) No Anexo 1 fazemos uma discussão mais completa sobre os dados.

Apesar das deficiências inerentes aos dados, estamos seguros ao assinalar seis importantes conclusões:

1. Atualmente, a grande maioria dos estabelecimentos rurais do mundo é formada por pequenas propriedades camponesas e estão ficando cada vez menores.

2. Atualmente, as pequenas propriedades e os agricultores foram relegados a menos de um quarto do total da terra agrícola mundial.

3. Estamos perdendo rapidamente propriedades e agricultores em muitos lugares, ao passo que as grandes propriedades tornam-se cada vez maiores.

4. As propriedades camponesas e indígenas seguem sendo as maiores produtoras de alimentos do mundo.

5. No conjunto, os pequenos estabelecimentos são mais produtivos que os grandes.

6. As mulheres constituem a maioria do campesinato indígena e não indígena.

Muitas destas conclusões parecem óbvias, mas duas coisas nos preocupam.

Uma delas foi observar que a concentração da terra é um fenômeno mundial, inclusive naqueles países em que se supõe que os programas de reforma agrária do século XX haviam acabado com ela. Em muitos países, agora mesmo, está ocorrendo uma contra-reforma, uma espécie de reforma agrária às avessas, seja através da apropriação de terras por parte das corporações na África, do recente golpe de Estado no Paraguai impulsionado pelos empresários agrícolas, da expansão massiva das plantações de soja na América Latina, da abertura da Birmânia aos investidores estrangeiros ou da expansão para o leste da União Europeia e de seu modelo agrícola. Em todos estes processos, o controle sobre a terra está sendo usurpado dos pequenos produtores e suas famílias por elites e poderes corporativos que estão encurralando as populações em propriedades cada vez menores.

A outra fonte de alarma foi dar-nos conta de que atualmente as propriedades camponesas ocupam menos de uma quarta parte de toda a terra agrícola do mundo – ou menos de uma quinta parte, caso se excluir a China e a Índia deste cálculo. A terra nas mãos camponesas é cada vez menos, e se esta tendência persistir, não serão capazes de continuar alimentando o mundo.

Texto completo no link:

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