quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Norma estadual facilita desmatamento no Pará

Nos últimos dois meses, os focos de calor e o desmatamento no estado do Pará aumentaram substancialmente, segundo o INPE e o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Imazon. Segundo dados do INPE o Estado apresentou um aumento de 363% nos focos de incêndio este ano. Em julho, o Sistema de Alerta de Desmatamento, operado pelo Imazon, constatou que 57% do desmatamento na Amazônia ocorreu no Pará.

Além de fatores, como grilagem de terras e abertura de novas áreas para pecuária e agricultura, o aumento do corte raso no estado pode estar sendo influenciado pela Instrução Normativa nº 02/14 (veja a íntegra da IN), publicada pela Secretaria de Meio Ambiente do estado em 26 de fevereiro, atendendo a uma demanda do setor rural paraense. A norma autoriza produtores rurais a “limparem” ou realizarem “a supressão” (desmatarem) áreas cuja vegetação secundária esteja em estágio inicial de regeneração, áreas regionalmente denominadas “juquiras”. Trata-se de áreas desmatadas que, por terem sido abandonadas, estão em processo de regeneração natural.

A medida, que excetua as reservas legais e as áreas de preservação permanente (APP) do benefício, vale para áreas desmatadas até 20 anos atrás, inclusive aquelas situadas em municípios incluídos na lista de principais desmatadores do estado. Dependendo das características da vegetação destas áreas, elas não podem ser desmatadas, segundo a própria IN, pois configuram florestas degradadas ou florestas secundárias em estágio avançado de regeneração.

Informações falsas e precariedade dos órgãos ambientais favorecem o corte ilegal de floresta primária

Ao menos em tese, a IN tem finalidade positiva, já que sinaliza a disposição dos produtores em incorporar ao sistema produtivo de seus imóveis rurais áreas já abertas, evitando, assim, o desmatamento de áreas cobertas por florestas primárias. Ao mesmo tempo, regulamenta a reincorporação de pastos sujos e capoeiras que, segundo estimativa da Embrapa e INPE, cobriam cinco milhões de hectares no Pará em 2010.

No entanto, vulnerabilidades tanto na instrução normativa quanto nos órgãos responsáveis pela gestão ambiental podem ser exploradas pelos produtores para fazer desmatamentos em áreas de vegetação primária. O secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente de Paragominas, Felipe Zagalo, identificou algumas tentativas de burlar o disposto na IN:

i) Produtores encaminham comunicação de limpeza para áreas abertas há mais de cinco anos, o que exigiria, segundo a IN, um pedido de autorização para supressão acompanhado de laudo técnico atestando não se tratar de floresta em estágio avançado de regeneração. Segundo Zagalo, logo no primeiro mês de vigência da IN, de dez comunicados protocolados no órgão ambiental, oito deveriam ser pedidos de autorização de supressão, pois se referiam a áreas desmatadas há mais de cinco anos. E, embora não atingissem o limite para floresta em estágio inicial de regeneração (10m2/ha de área basal, segundo a IN), chegavam muito perto disso.

Uma das brechas, aberta pelo próprio texto da IN, é que, no caso de comunicação de limpeza, o órgão ambiental deve se manifestar em 30 dias, caso contrário o produtor pode fazer a limpeza.

ii) no caso de pedidos de autorização para supressão, os laudos técnicos podem apresentar informações falsas, que, na verdade, se referem a áreas em estado avançado de regeneração. Segundo a IN, se a área basal dessa juquira for superior a 10m2/ hectare, a vegetação não pode ser suprimida pois, nessa condição, a floresta é considerada em estágio avançado de regeneração. Apenas a vistoria pelo órgão ambiental, conforme exigido pela IN, pode prevenir que uma área em estagio avançado seja apresentada, no laudo técnico, como área em estagio inicial.

Considerando o elevado percentual de informações falsas apresentadas em Paragominas (80%, segundo Zagalo) e a precariedade dos órgãos ambientais – tanto o estadual, que tem menos de 20 fiscais ambientais para todo o estado, cujo território soma 1,25 milhão de km2, quanto os municipais –, muitos produtores podem desmatar áreas de juquira em estágio avançado de regeneração, o que é ilegal e configura corte raso.

Ao mesmo tempo, sem equipe e meios para realizar a fiscalização de cada imóvel interessado em reutilizar essas áreas abertas, há a possibilidade de que produtores estejam desmatando parcelas de floresta primária nos arredores das áreas de juquira contempladas pela IN.


EcoDebate, 27/08/2014

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