terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Pesquisa utiliza peptonas de soja para produção de ácido hialurônico



Campinas, 25 de agosto de 2014 a 31 de agosto de 2014 – ANO 2014 – Nº 603

Objetivo é chegar a um produto mais puro, para atender às indústrias farmacêutica e de cosméticos 

Texto: MANUEL ALVES FILHO 
Fotos: Antonio Scarpinetti 
Edição de Imagens: Diana Melo 
Pesquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado do engenheiro químico Rhelvis de Campos Oliveira, defendida na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, investigou o uso de peptonas de soja como fontes de nitrogênio para a produção, via processo fermentativo, de ácido hialurônico (AH). O AH é um polímero natural presente nos tecidos humano e animal. Entre suas funções estão lubrificar as articulações e hidratar intensamente a pele. Por causa dessas propriedades, é utilizado pela indústria farmacêutica e de cosméticos. “Os resultados que obtivemos em laboratório foram muito promissores”, afirma o autor do trabalho, que foi orientado pela professora Maria Helena Andrade Santana.

De acordo com o pesquisador, o AH é um polissacarídeo muito utilizado na área médica. A massa molar e o grau de pureza desse ácido são parâmetros importantes para definir o seu valor agregado e também o tipo de aplicação. Oliveira destaca que as principais fontes de AH são a crista do galo e o cordão umbilical humano. Mais recentemente, o AH também tem sido produzido comercialmente por fermentação. “Ocorre que as fontes animais contêm proteínas e outros compostos indesejáveis que são extraídos junto com o ácido e que podem causar reações imunogênicas. Por isso, o AH de fonte animal necessita de uma purificação muito mais rigorosa”, explica Oliveira.

Já o AH de origem microbiana, prossegue o pesquisador, é mais puro, porém as indústrias farmacêutica e de cosméticos estão requerendo a substituição dos compostos de origem animal no meio de cultura por compostos de origem vegetal, de modo a utilizarem o ácido como matéria-prima de seus produtos. “Daí a importância de investigarmos fontes vegetais de nitrogênio para serem usadas no processo de produção”, diz o autor da dissertação. É nesse ponto que entram as peptonas de sojas. No caso do estudo desenvolvido por Oliveira, foram utilizados dois tipos comerciais.

A principal diferença entre as peptonas foi a concentração de aspartato, glutamina e glutamato. “Por causa dessa diferença, nós resolvemos classificar as peptonas de ‘rica em AGG’ e ‘pobre em AGG’. A primeira também é rica em aminoácidos livres, enquanto na segunda os aminoácidos estão na forma peptídica”. Uma das conclusões a que o pesquisador chegou a partir dos ensaios feitos em laboratório foi de que o AH produzido a partir da proteína rica em AGG tem massa molar 100 vezes maior que o produzido a partir da proteína pobre em AGG.

Quanto ao rendimento, foi constatado que o AH obtido da peptona pobre em AGG, que tem massa molar reduzida, apresentou um rendimento muito superior à outra. “Ou seja, embora dê origem a um produto de baixa massa molar, essa última compensou tal desvantagem com uma maior produtividade. Portanto, a produção e a massa molar do AH podem ser controlados pelo tipo de peptona de soja usada no processo”, esclarece. Oliveira.

Ademais, as peptonas de soja apresentaram uma concentração reduzida de proteína e peptídeos em relação às fermentações realizadas com outras fontes de nitrogênio, como extrato de levedura, proteína do leite e peptona de batata. “Ou seja, obtivemos um produto mais puro, o que facilita o processo de purificação”, acrescenta Oliveira. Em relação outras propriedades dessas peptonas, o estudo concluiu que a rica em AGG tem a capacidade de estimular a produção de biomassa, enquanto a pobre em AGG proporciona a produção de AH.

Nesse ponto, o autor da dissertação abre parênteses para explicar que embora o AH seja útil em toda a faixa de massa molar, as aplicações são diferentes. O AH de alta massa molar normalmente é aplicado em cirurgias oftalmológicas, para repor o humor vítreo, gel aquoso situado entre o cristalino e a retina, ou em procedimentos cirúrgicos ortopédicos, com o propósito de normalizar as concentrações do ácido no fluido sinovial, cuja função é proteger as articulações. Já o segundo atua como regenerador celular e auxilia no processo de cicatrização, favorecendo o tratamento de feridas. Além disso, contribui para evitar a morte celular, pois tem propriedade antiapoptótica.

Oliveira adianta que pretende dar continuidade à pesquisa com o AH no seu doutorado. Ele ainda não definiu, porém, que abordagem dará ao estudo. “Uma possibilidade é concentrar a pesquisa nos efeitos da transferência de oxigênio ao meio de cultura, já que o micro-organismo usado é altamente aeróbio. Por outro lado, o excesso de oxigênio pode produzir estresse ao micro-organismo e aumentar a produção de ácido hialurônico como um mecanismo de proteção”, exemplifica o engenheiro químico, que contou com bolsa de estudo concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Linha de pesquisa

Devido à sua importância, o ácido hialurônico é tema de uma linha de pesquisa coordenada pela professora Maria Helena Andrade Santana, da FEQ, sob diferentes perspectivas nos campos da produção e das aplicações. Em relação à produção, o grupo tem investigado os efeitos de várias condições de estresse ao micro-organismo, tais como estresse ácido e de glicose, para ficar em dois exemplos. Já os estudos voltados às aplicações estão concentrados no desenvolvimento de processos de produção de nanopartículas e filmes, de encapsulação de compostos bioativos e de fabricação de scaffolds (suporte tridimensional) para uso em medicina regenerativa.

Uma das abordagens está sendo realizada atualmente pela estudante de pós-doutorado Patrícia Severino. Ela está desenvolvendo um filme adesivo para ser usado em pacientes que desenvolvem mucosite oral, em decorrência do tratamento de câncer de cabeça por radio e quimioterapia. Patrícia explica que o filme é uma espécie de gel composto por AH e quisotosana, fibra extraída do exoesqueleto de alguns crustáceos e que tem propriedades antimicrobianas. O material contém nanocapsulas que abrigam dois tipos de fármacos: um anestésico e um antibiótico.

Depois de colocado na boca da pessoa, o filme libera os medicamentos, em períodos distintos, para combater os sintomas da mucosite oral. “O objetivo é que o anestésico seja liberado rapidamente, para combater as dores, e que o antibiótico seja liberado de forma mais lenta, para combater micro-organismos que agem no local”, detalha a pesquisadora. De acordo com ela, o filme contendo as nanopartículas está praticamente pronto. “Faltam alguns pequenos ajustes. Uma das questões a serem solucionadas é a adequação do pH do material”, diz.

A pós-doutoranda acrescenta que parte do trabalho está sendo feita em colaboração com pesquisadores da Universidade de Sorocaba (Uniso) e do Hospital da Pontifícia Universidade Católica também de Sorocaba. Conforme Patrícia, esses cientistas já estão fazendo testes clínicos (em humanos) com o filme contendo um tipo de formulação. “A formulação com a qual eu estou trabalhando deve começar a ser testada clinicamente somente no próximo ano”, adianta. Outra orientanda da professora Maria Helena, a doutoranda Andrea Shimojo, está pesquisando a fabricação de scaffolds de AH autorreticulados (sem a utilização de qualquer outro produto químico) ou em associação com a quitosana.

Em ambos os casos, os scaffolds são produzidos na forma de esponjas, cujas aplicações previstas são na cicatrização de feridas crônicas e em cirurgias ortopédicas. Esses scaffolds, tanto na forma de esponja quanto na de nanopartículas, também estão sendo estudados para a proliferação de células mesenquimais (tipo de célula-tronco), para aplicação em medicina regenerativa. Esse trabalho está sendo desenvolvido em colaboração com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Dentro da interdisciplinaridade que essas aplicações demandam, a grande contribuição da engenharia química está, conforme a professora Maria Helena, no desenvolvimento de processos de produção escalonáveis voltados à aplicação no setor industrial, gerando assim novos produtos.

O ácido hialurônico foi identificado em 1934. Ele está presente em diversas partes do corpo humano e também dos animais. Em 1949, descobriu-se que a crista do galo contém essa substância em grandes concentrações. O AH tem sido usado tanto pela indústria farmacêutica quanto pela de cosméticos. Ele é utilizado na composição de vários medicamentos, como colírios, pomadas cicatrizantes e produtos para o tratamento da artrose.

Publicação

Tese: “Estudo da produção de ácido hialurônico utilizando peptona de soja”
Autor: Rhelvis de Campos Oliveira Orientadora: Maria Helena Andrade Santana Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ) Financiamento: CNPq

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