quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Mecanismo de resposta celular ao estresse oxidativo é descoberto

27 de janeiro de 2015

Por Karina Toledo

Agência FAPESP – Em artigo publicado na revista Nature Structural & Molecular Biology, pesquisadores da New York University (NYU) e da Harvard University, ambas nos Estados Unidos, descreveram um novo mecanismo usado pelas células para se defender do estresse oxidativo.

Essa condição biológica é caracterizada pelo aumento dos níveis de radicais livres e de outras espécies reativas de oxigênio no meio celular durante diversos processos fisiológicos, como inflamação e envelhecimento. Também pode ser resultante da exposição à poluição, cigarro, radiação e produtos químicos presentes em alimentos e bebidas.

Em excesso, os oxidantes danificam ácidos nucleicos, proteínas e outras moléculas importantes para o funcionamento celular. Caso se torne crônico, esse processo pode levar ao desenvolvimento de tumores e de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer.

“Descrevemos uma nova via de sinalização celular em resposta ao estresse oxidativo completamente desconhecida. Além de ampliar o entendimento sobre como as células respondem a esse tipo de agressão, a descoberta pode revelar novos alvos terapêuticos a serem explorados no tratamento de diversas doenças”, afirmou Gustavo Monteiro Silva, pós-doutorando da NYU e autor principal do estudo. São coautores Daniel Finley, de Harvard, e Christine Vogel, da NYU.

Silva iniciou os estudos na área quando ainda estava no doutorado, realizado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com apoio da FAPESP.

Sob a coordenação de Luis Eduardo Soares Netto e de Marilene Demasi, investigou o mecanismo pelo qual o proteassomo – complexo proteico intracelular – é regulado para degradar proteínas danificadas em uma situação de estresse oxidativo (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/pesquisa_mostra_como_celula_elimina_proteinas_oxidadas/15507/).

Após o término do doutorado, em parceria com Vogel, Silva investiu em proteômica e em biologia de sistemas para entender melhor a resposta ao estresse no âmbito celular. Os pesquisadores observaram que, além de regular a remoção de proteínas danificadas pelo proteassomo, a célula pode se defender controlando a produção de novas proteínas-chave para a sobrevivência ao estresse.

Os dois mecanismos de defesa estão relacionados com uma via de sinalização mediada por uma proteína chamada ubiquitina. Essa molécula forma cadeias (poliubiquitina) que se ligam a proteínas-alvo em um processo conhecido como ubiquitinação.

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a ubiquitinação servia apenas para sinalizar ao proteassomo que uma determinada proteína deveria ser degradada – foi, por esse motivo, apelidada de “beijo da morte”.

Estudos mais recentes, porém, mostraram que as cadeias de poliubiquitina podem assumir outras funções de acordo com a forma com que as moléculas de ubiquitina estão interligadas entre si e organizadas espacialmente.

“A ubiquitinação de proteínas em resposta ao estresse oxidativo é essencial para a célula, mas seu papel tem sido debatido pelos cientistas por mais de 30 anos. Sabendo que existem diferentes cadeias de ubiquitinação, decidi investigar qual o tipo, os alvos e a importância dessas cadeias para a célula em resposta ao estresse oxidativo”, contou Silva.

Os ensaios foram feitos com células de levedura da espécie Saccharomyces cerevisiae. Para induzir o estresse oxidativo, os pesquisadores inicialmente trataram as células com peróxido de hidrogênio (água oxigenada).

Com auxílio de técnicas de espectrometria de massa e anticorpos específicos para os diversos tipos de cadeia, os cientistas observaram o já esperado aumento das cadeias de poliubiquitina do tipo K48 (ligadas através do resíduo de aminoácido lisina 48 da ubiquitina), relacionadas com a degradação de proteínas.

Mas os resultados também mostraram, de maneira inédita, a rápida elevação de um tipo de cadeia alternativa de poliubiquitina conhecida como K63. Essa resposta mostrou-se específica para estresse oxidativo induzido por peróxidos. Quando essas substâncias oxidantes eram removidas do meio de cultura, a quantidade de cadeias do tipo K63 rapidamente diminuía em um processo altamente regulado.

“Decidimos então investigar a função dessa cadeia alternativa K63 e, utilizando proteômica quantitativa, verificamos que ela modifica certas proteínas do ribossomo, tornando essa estrutura mais estável e favorecendo a síntese de proteínas importantes para a resposta antioxidante”, disse Silva.

Alvos terapêuticos

Para que o processo de ubiquitinação aconteça, é necessária uma cascata de reações catalisadas por diversas enzimas. Na avaliação de Silva, a identificação das enzimas especificamente envolvidas nessa via tornou possível encontrar alvos potenciais para o desenvolvimento de drogas contra doenças relacionadas ao dano oxidativo.

“Nós observamos que peróxidos inibem de forma reversível a ação de uma enzima desubiquitinadora chamada Ubp2 (cuja função é remover moléculas de ubiquitina dos seus alvos). Favorecendo, portanto, o acúmulo da cadeia K63”, contou o pesquisador.

Ao realizar experimentos com uma linhagem de levedura mutante, incapaz de formar cadeias K63 de ubiquitina, os pesquisadores observaram que o dano oxidativo era maior, a produção de proteínas era reduzida e as células mutantes se tornaram mais sensíveis ao estresse oxidativo.

“Se conseguirmos entender melhor a função dessas enzimas e como essa cadeia regula a produção de proteínas, podemos tentar modular a resposta celular ao estresse oxidativo, tanto para favorecer a morte da célula, no caso de um tumor, como para torná-la mais resistente, o que seria interessante no tratamento de doenças neurodegenerativas”, comentou Silva.

Neste trabalho, o grupo realizou ainda ensaios com células neuronais de camundongos, nas quais também foi observada a formação de cadeias de poliubiquitina K63 em resposta ao estresse. Segundo Silva, o próximo passo é entender melhor, com base no conhecimento obtido em leveduras, como esse mecanismo de defesa atua em células de camundongos. No futuro, o grupo pretende realizar ensaios com linhagens humanas.

O artigo K63 polyubiquitination is a new modulator of the oxidative stress response (doi:10.1038/nsmb.2955), publicado por Gustavo M Silva e outros na Nature Structural & Molecular Biology, pode ser lido por assinantes no endereço http://www.nature.com/nsmb/journal/vaop/ncurrent/full/nsmb.2955.html.
Estrutura 3D do complexo ribossomal. Em azul, as proteínas modificadas por cadeias K63 de ubiquitina identificadas por espectrometria de massa quantitativa (imagem: Silva et al., 2015/ Nature Structural & Molecular Biology)

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