sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Como as borboletas se automedicam

Link do artigo:
http://blog.brasilacademico.com/2015/02/como-as-borboletas-se-automedicam.html

20.02.2015

Assim como nós, a borboleta-monarca fica doente por causa de um parasita desagradável. Mas o biólogo Jaap de Roode percebeu algo interessante nas borboletas que estudava: borboletas fêmeas infectadas escolhiam pôr seus ovos em um tipo específico de planta que ajudava suas crias a não adoecerem. Como elas sabem escolher essa planta? Digamos que seja "o outro efeito-borboleta", que pode nos ensinar a criar novos medicamentos para tratar doenças que acometem seres humanos.

Doenças infecciosas, certo? Elas ainda são a principal causa de sofrimento e morte de pessoas em todo o mundo.


A cada ano, milhões de pessoas morrem de doenças como tuberculose, malária e HIV em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos. A cada ano, milhares de americanos morrem de gripe sazonal.

Mas nós humanos, é claro, somos criativos, não? Criamos formas de nos proteger contra essas doenças. Temos medicamentos e vacinas. Somos conscientes, aprendemos com nossas experiências e inventamos soluções criativas. Achávamos que éramos os únicos assim, mas hoje sabemos que não. Não somos os únicos médicos. Hoje sabemos que há vários animais que fazem o mesmo. Os mais famosos talvez sejam os chimpanzés. Não muito diferentes de nós, eles usam plantas para se livrarem de parasitas intestinais. Nas últimas décadas, vimos que outros animais também fazem isso: elefantes, porcos-espinhos, ovelhas, cabras e muitos outros. Ainda mais interessante é que descobertas recentes têm nos mostrado que insetos e outros pequenos animais com cérebros menores também usam medicação.

O problema das doenças infecciosas, como todos sabemos, é que os patógenos continuam a evoluir e diversos medicamentos que desenvolvemos vêm perdendo a eficácia. Por isso, há grande urgência por encontrar novas formas de criar medicamentos que possamos usar contra nossas doenças.

Mas acho que devemos observar esses animais para aprendermos com eles a tratar nossas próprias doenças. Como biólogo, tenho estudado borboletas-monarcas nos últimos dez anos. Elas são bastante conhecidas por sua migração espetacular dos Estados Unidos e do Canadá para o México, todos os anos, quando milhões delas se reúnem, mas não foi por isso que comecei a estudá-las. Eu as estudo porque elas adoecem. Elas adoecem como você e como eu. E acho que elas podem nos ensinar muito sobre medicamentos que podemos desenvolver para os humanos.

Os parasitas que infectam as borboletas-monarcas são os ophryocystis elektroscirrha, nome difícil de pronunciar. Eles produzem esporos, milhões de esporos no exterior da borboleta, que aparecem como pequenos ciscos na carapaça da borboleta. Isso é muito prejudicial para a borboleta-monarca. Diminui sua expectativa de vida, prejudica sua capacidade de voar e pode até matá-la antes que se torne adulta. Um parasita muito prejudicial.

Como parte do meu trabalho, passo muito tempo na estufa cuidando de plantas, isso porque as borboletas-monarcas são exigentes demais para comer. Quando larvas, elas só comem asclépias. Felizmente, há várias espécies de asclépias que elas podem usar, e todas essas asclépias contêm cardenolídeos, substâncias tóxicas para a maioria dos animais, exceto para monarcas. Na verdade, elas utilizam essas substâncias em seu próprio corpo, o que as torna tóxicas para predadores, como os pássaros. Elas mostram essa toxicidade através de belas cores que servem de alerta: laranja, preto e branco.

Durante meu trabalho, criei plantas diversas na estufa, asclépias diversas. Algumas eram tóxicas, incluindo a asclépia tropical, com concentrações altíssimas de cardenolídeos. Outras não eram tóxicas. Então, eu alimentava as monarcas com elas. Algumas monarcas estavam saudáveis, sem doença alguma, mas outras monarcas estavam doentes e descobri que algumas dessas asclépias são medicinais, reduzindo os sintomas das borboletas-monarcas doentes, o que significa que vivem mais tempo, apesar de infectadas, por se alimentarem dessas plantas medicinais.

Quando descobri isso, tive uma ideia e muitos disseram que era uma ideia louca, mas pensei: "Será que as monarcas fazem isso? Será que elas usam essas plantas como uma espécie de medicamento? Será que são capazes de agir como médicos?"

Então, eu e minha equipe fizemos testes. Nos primeiros testes, tínhamos lagartas e lhes demos uma escolha: asclépia medicinal e asclépia não medicinal. Então, medimos quanto de cada espécie elas comiam ao longo da vida. Como sempre acontece na ciência, o resultado foi sem graça: 50% de asclépias medicinais e 50% de asclépias não medicinais. As lagartas não faziam nada por seu próprio bem-estar.

Então, passamos às borboletas adultas e começamos a nos perguntar se eram as mães que medicavam suas crias. Poderiam as mães pôr ovos em asclépias medicinais que fariam com que suas crias ficassem menos doentes? Faz alguns anos que temos feito esses testes e os resultados são sempre os mesmos. Nós colocamos uma monarca numa grande gaiola, uma planta medicinal de um lado e uma não medicinal do outro lado. Então, verificamos a quantidade de ovos que ela põe em cada planta. E sempre vemos o mesmo acontecer: as monarcas têm uma forte preferência pela asclépia medicinal. Em outras palavras, as fêmeas põem 68% de seus ovos na asclépia medicinal. O intrigante é que, na verdade, elas transmitem os parasitas quando põem seus ovos. Isso é inevitável. Elas também não podem se automedicar. Porém, os testes nos mostram que essas mães monarcas podem pôr seus ovos em asclépias medicinais que farão com que suas crias fiquem menos doentes.

Essa é uma descoberta realmente importante, eu acho, não só porque nos ensina algo legal sobre a natureza, mas porque pode nos ensinar algo novo sobre como descobrir medicamentos. Esses animais são bem pequenos e tendemos achá-los muito simples. Embora tenham cérebros minúsculos, eles utilizam uma forma bem sofisticada de medicação. Sabemos que, mesmo hoje, a maioria dos medicamentos é derivada de fontes naturais, incluindo plantas, e, em culturas indígenas, curandeiros observam os animais para descobrir novos medicamentos. Assim, os elefantes nos ensinaram a tratar dores de estômago e porcos-espinhos nos ensinaram a tratar diarreia hemorrágica. Mas acho importante não nos restringirmos a mamíferos de cérebro grande e darmos mais crédito a esses carinhas, a esses animais simples, a esses insetos que tendemos a julgar como extremamente simples, com cérebros minúsculos. A descoberta de que esses animais também são capazes de usar medicação abre horizontes totalmente novos e acho que um dia, talvez, trataremos doenças em seres humanos com medicamentos originalmente descobertos por borboletas. Acho que essa é uma oportunidade incrível, que vale a pena buscarmos.

Muito obrigado.

(Aplausos)

Fonte:
[Visto no Brasil Acadêmico]

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