quarta-feira, 25 de março de 2015

Unindo ciência e medicina popular


Campinas, 23 de março de 2015 a 29 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 620


Pesquisa do IB investiga aplicações terapêuticas de plantas

Edição de Imagens: Fábio Reis
O professor Marcos José Salvador, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, atua no Departamento de Biologia Vegetal em que mantém linha de pesquisa na área de Tecnologia Fito-farmacêutica, Produtos Naturais e Bioensaios, dedicando-se a investigações que utilizam produtos de origem vegetal com vistas a utilizações terapêuticas. A finalidade do estudo é entender como a bioquímica da planta pode servir como fonte de moléculas que possam ter aplicações terapêuticas.

Dentro do imenso universo de plantas e táxons vegetais, o seu grupo de pesquisa trabalha particularmente com três famílias: a da Amaranthaceae – em que se encontram espécies utilizadas como alimentos ou para fins medicinais como beterraba, pfaffias, gonphrena, alternanthera, quinoa; a da Annonacea, em que estão a fruta do conde, a pinha, a pindaíba, o marolo; a da Myrtaceae, composta por frutas comestíveis como gabiroba, pitanga, uvaia, pitanga. Os estudos, muitas vezes, se apoiam em informações etnobotânicas acumuladas pela sabedoria popular relacionada ao uso de plantas com fins medicinais.

Nesse contexto, constituíram objeto de estudo duas plantas do gênero Pfaffia conhecidas como ginseng brasileiro ou Paratudo, da família Amaranthaceae, importantes na medicina popular em que são empregadas no combate a dores, inflamações, processos infecciosos. Estudos farmacológicos reportam algumas espécies de Pfaffia que possuem atividade analgésica, anti-nociceptiva, anti-inflamatória, antimicrobiana e antitumoral, sugerindo o potencial destas matrizes vegetais como fonte de agentes biologicamente ativos. Em vista destes fatos, pesquisa, orientada pelo docente, deu origem à tese de doutorado do biólogo Wallace Ribeiro Correa que teve como objetivo a prospecção de extratos, frações e substâncias bioativas presentes nas espécies Pfaffia townssendii Pedersen e Pfaffia tuberosa Spreng, das quais poucos estudos são mencionados na literatura e se revelam praticamente desconhecidas do ponto de vista fitoquímico e quanto às atividades biológicas.

Para o docente, trata-se de uma pesquisa com abordagem multidisciplinar que se inicia com a coleta e identificação taxonômica do material vegetal e continua com o preparo de extratos, a avaliação da bioatividade frente a diferentes modelos biológicos (in vitro e in vivo) e a identificação dos princípios ativos que podem estar correlacionados com os efeitos biológicos observados. Dentre as avaliações biológicas realizadas estão a atividade antiproliferativa frente a células tumorais; a alguns parasitas relacionados a doenças negligenciadas, como o Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, e a Leishmania (L.) amazonensis, protozoário causador da leishmaniose. As espécies vegetais selecionadas são brasileiras, ocorrem em regiões específicas do território nacional e os resultados encontrados apontam na direção de um recurso genético importante em termos de fonte de moléculas ativas. Como a pesquisa centrou-se em espécies pouco estudadas resultaram informações até então inéditas.

A tese foi desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Biociências e Tecnologia de Produtos Bioativos do IB-Unicamp, que tem por finalidade formar recursos humanos para a docência e a pesquisa capacitados para a realização de estudos multidisciplinares e integrativos para a obtenção, o desenvolvimento e a utilização de insumos e produtos bioativos visando a manutenção e recuperação da saúde. Trata-se da primeira tese de doutorado defendida nesse programa.

A pesquisa

Vindo do Sul de Minas Gerais, o biólogo Wallace, que viveu uma longa experiência no ensino médio do seu estado, atualmente ocupa o cargo de professor de Fisiologia Vegetal no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (Inconfidentes-MG), atuando nos cursos de biologia e de engenharia agronômica.

Veio para o doutorado na Unicamp e se envolveu em uma área de seu interesse que é a das plantas medicinais.

Ele explica que as Pfaffias são plantas medicinais amplamente conhecidas pela população e o trabalho visou confirmar suas atividades biológicas. Para tanto, foram realizados estudos para prospecção de extratos, de suas frações e de substâncias com atividades antioxidante, antimicrobiana, anti-inflamatória e de inibição do desenvolvimento de células tumorais. Ele acrescenta: “Não basta apenas comprovar a bioatividade, é preciso identificar quais os componentes químicos presentes na planta medicinal responsáveis pelas diversas atividades biológicas a ela associadas e efetivamente comprová-las. É desta forma que a investigação científica justifica e corrobora o conhecimento popular”.

Para a comprovação das atividades atribuídas e previstas para as espécies selecionadas, o estudo foi realizado in vitro e, especificamente, nos casos dos anti-inflamatórios, para confirmação dos resultados, também in vivo em modelo experimental com a utilização de animais (ratos e camundongos). Esse particular detalhamento da avaliação da atividade anti-inflamatória em um sistema in vivo se justifica pelo fato de que as outras ações investigadas, que envolveram atuações frente a micro-organismos (bactérias, fungos e protozoários) e também contra células de linhagens tumorais, apresentam-se, muitas vezes, associadas a processos inflamatórios. Por isso, diz o pesquisador, “aprofundamos mais o estudo da atividade anti-inflamatória, porque se as substâncias ativas agem in vitro e in vivo em modelo inflamatório, pode-se estabelecer uma correlação com o efeito observado nas outras atividades biológicas investigadas”.

O desenvolvimento do trabalho envolve diferentes etapas: a coleta da planta no seu habitat natural; a identificação taxionômica da espécie vegetal; a transformação de sua biomassa em uma forma bruta de extrato padronizado; a avaliação das propriedades biológicas desse extrato. Neste particular, Wallace avaliou in vitro as atividades antioxidante, antimicrobiana, antitumoral e anti-inflamatória. Diante dos bons resultados nestas abordagens ele deteve-se na atividade anti-inflamatória em modelo animal. Mas, antes disso, por segurança, dedicou-se ao estudo da citotoxidade das amostras.

Face ao sucesso dos resultados obtidos nestas etapas, o pesquisador partiu para a determinação das moléculas presentes no extrato bioativo, considerado uma forma bruta de medicação. Nesse estudo químico ele fracionou o extrato, isolou os princípios ativos, separando da mistura complexa os componentes majoritários presentes, identificando as moléculas e as estruturas químicas dos princípios ativos. Essas moléculas foram então investigadas isoladamente frente às mesmas atividades biológicas para verificar suas ações terapêuticas. Esse estudo permitiu constatar que efeitos decorriam da sinergia dos princípios ativos presentes no extrato e também possibilitou verificar que as substâncias mostravam-se bioativas isoladamente.

O professor Marcos acrescenta que para a padronização do extrato, com o objetivo, por exemplo, de utilizá-lo no desenvolvimento de um medicamento fitoterápico, há necessidade de localizar nele a molécula responsável pelo efeito biológico. É a padronização que garante o teor do princípio ativo no extrato a ser utilizado como ativo no fitoterápico, possibilitando obter assim o extrato padronizado a partir de determinada parte do vegetal e contribuir para que o medicamento fitoterápico possa apresentar segurança, eficácia e qualidade.

Resultados

As propriedades antioxidantes das plantas estudadas revelam-se particularmente importantes. Sabe-se que várias patologias incluindo o câncer, doenças cardiovasculares, doença de Alzheimer e de Parkinson, seguidas de doenças inflamatórias e imunológicas como artrite, asma, alergia e outras relacionadas com o processo de envelhecimento apresentam em sua etiologia, pelo menos em parte, os efeitos danosos da produção de radicais livres. Assim, há um interesse crescente no estudo de plantas medicinais, alimentos e produtos naturais ricos em antioxidantes visando a quimioprevenção destas doenças.

Foi possível também verificar que estas plantas são fonte de fitoderivados que apresentam atividade antimicrobiana, o que as torna úteis no enfrentamento de um problema hoje grande devido à existência de cepas bacterianas e fúngicas que resistem às medicações existentes. Elas revelam-se também inibidoras do desenvolvimento de algumas linhagens de células tumorais e de uma excelente atividade anti-inflamatória. Em suma, diz Wallace, o trabalho vem, pelo menos em parte, justificar a utilização popular das Pfaffias e mostra que a população desenvolveu durante os anos uma ciência com base na experimentação pelo uso, reveladora, mesmo que empírico, de um certo viés de caráter científico.

Esse estudo abre perspectivas para novas abordagens, para detalhamento dos efeitos biológicos observados, para etapas de desenvolvimentos de produtos utilizando essa matéria prima de origem vegetal. O docente considera importante deixar claro que um trabalho científico cumpre determinados objetivos, mas o seu alcance não se esgota em si mesmo. A partir das informações geradas novas perguntas surgem e dão origem a novas investigações. A obtenção de um produto qualificado em termos clínicos demanda muitos anos de pesquisas. Para ele, trata-se de um estudo inicial, de ciência básica, para o avanço do conhecimento.

Sobre a importância e o alcance do estudo, os pesquisadores enfatizam que a indústria farmacêutica tem grande interesse em moléculas ativas provenientes de produtos naturais com vistas a aplicações terapêuticas. O planejamento de fármacos e a busca de novos medicamentos a partir de produtos naturais é um recurso bastante empregado pelos conglomerados farmacêuticos. Entre os medicamentos prescritos e registrados no mundo, eles consideram que mais de 30% deles são constituídos de fármacos obtidos a partir de produtos naturais ou de outras moléculas deles originadas. De fato, embora certas moléculas isoladas de produtos naturais apresentem inconvenientes para o uso clínico, em vista de suas características físico-químicas ou estruturais, podem servir como protótipo para síntese de outras substâncias mais adequadas a aplicações terapêuticas. É a síntese de fármacos a partir de produtos naturais.

O professor Marcos José Salvador enfatiza que houve a preocupação de que Wallace Ribeiro Correa pudesse adquirir durante o doutorado formação que o capacitasse a, voltando para a sua instituição de origem, multiplicar o conhecimento adquirido: “Em vista disso, o estudante teve a oportunidade de entrar em contato tanto com metodologias laboratoriais simples, que não envolvem recursos instrumentais sofisticados, como com metodologias de ponta, que utilizam técnicas como espectrometria de massas, ressonância magnética nuclear e o emprego de diferentes métodos cromatográficos, de forma a credenciá-lo a organizar grupo de pesquisa e formar pesquisadores. A preocupação foi a de fechar um ciclo contemplando tanto formação profissional como educacional e promovendo o retorno de recursos públicos em termos de benefícios para a sociedade, através da formação de recursos humanos aptos a contribuir para a geração de conhecimento e tecnologias de valor agregado. Muitas vezes o trabalho científico é encarado apenas em relação ao conhecimento gerado, mas é preciso deixar muito claro que o desenvolvimento desse conhecimento deve atender a formação do profissional em todos os seus aspectos“.

Wallace conta que como resultado dessa orientação e da parceria com o professor Marcos, aglutinou em sua universidade um grupo de alunos dos cursos de graduação em biologia e engenharia agronômica que já estão trabalhando com plantas medicinais. Ele espera, a seu exemplo, que no futuro eles também venham ampliar os conhecimentos na Unicamp. “É a universidade pública do Estado de São Paulo atuando como agente multiplicador de conhecimento e de formação de recursos humanos qualificados para outros estados do país”, conclui o docente.

Publicação

Tese: “Prospecção de substâncias bioativas em Pfaffia townssendii e Pfaffia tuberosa (Gomphereneae,Amaranthaceae)”

Autor: Wallace Ribeiro Correa

Orientador: Marcos José Salvador

Unidade: Instituto de Biologia (IB)

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