terça-feira, 4 de agosto de 2015

Propriedade rural como produtora de água: uma alternativa para conter a crise hídrica. Entrevista com Gilson Gomes

“O produtor, ao proteger sua nascente, contribui de forma sistemática para a produção de água”, diz o analista ambiental.
Foto: http://www.institutoterra.org

A recuperação das 375 mil nascentes que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, localizada entre os municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, “é o primeiro passo para o restabelecimento dosrecursos hídricos”, dizGilson Gomes à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.

Segundo ele, atualmente as nascentes do Vale do Rio Doce estão não só desprotegidas, mas “assoreadas, sem cobertura vegetal e muito degradadas”. E a escassez de água na região está associada “à ocupação antrópica, desmatamento desordenado, ausência de cobertura vegetal nos topos de morro, nascentes desprotegidas, ausência de mata ciliar, uso irracional e falta de controle dos recursos hídricos em toda a bacia”, explica.

De acordo com Gomes, a iniciativa faz parte do Programa Olhos D’água, desenvolvido pelo Instituto Terra, e tem como objetivo recuperar todas as nascentes da Bacia Hidrográfica do Rio Doce num prazo de 30 anos. Para que o projeto seja efetivo, enfatiza, a participação dos pequenos e médios produtores rurais da região será fundamental para a “recomposição florestal ao longo dos cursos d’água e topos de morro”. Ele frisa ainda que, diante da escassez dos recursos hídricos, a “propriedade rural tem que se proteger e produzir água para seu sustento, lembrando que este recurso é primordial no seu processo produtivo. Assim, o produtor deve ser responsável pelo uso da água de modo a poder ofertar o excedente à sociedade”. Ao fim do projeto, comenta, a pretensão é “elaborar um protocolo operacional do programa de forma a permitir que seja replicado em outras bacias hidrográficas”.

Gilson Gomes é analista ambiental do Instituto Terra, uma associação civil, sem fins lucrativos, que promove a recuperação da Mata Atlântica no Vale do Rio Doce há 16 anos.

Confira a entrevista.
Foto: http://www.cprm.gov.br/


IHU On-Line – Qual é a situação ambiental das nascentes do Vale do Rio Doce e quantas delas precisam ser recuperadas?

Gilson Gomes – As nascentes estão desprotegidas, assoreadas, sem cobertura vegetal e muito degradadas. Estima-se que existem 375.000 nascentes na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mais precisamente em 202 municípios de Minas Gerais e 28 do Espírito Santo.

IHU On-Line – Em que consiste o projeto de recuperação das nascentes do Vale do Rio Doce? Como será realizado esse processo?

Gilson Gomes – A recuperação das nascentes será feita através do Programa Olhos D’água, que tem como objetivo promover a recuperação, a proteção e a conservação dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, contribuindo para a manutenção dos seus recursos naturais, em consonância com o Plano Integrado de Recursos Hídricos do Rio Doce de 2010. O projeto tem como escopo os seguintes pontos:

(i) recuperar e proteger 100% das nascentes das propriedades rurais dos 230 municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Doce;

(ii) implantar uma fossa séptica em cada residência das propriedades rurais dos 230 municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Doce;

(iii) promover o Cadastro Ambiental Rural – CAR e a adesão ao Programa de Recomposição de Áreas Degradadas e Alteradas – PRADA das propriedades com até quatro módulos fiscais dos produtores rurais beneficiários, provendo, dessa forma, meios para recomposição florestal ao longo dos cursos d’água e topos de morro;

(iv) elaborar um protocolo operacional do programa de forma a permitir que seja replicado em outras bacias hidrográficas.

IHU On-Line – Qual é o tempo estimado para a recuperação das nascentes?

Gilson Gomes – A meta do programa Olhos D’água é proteger e recuperar as nascentes do Vale do Rio Doce em 30 anos.

IHU On-Line – Quais são as causas da escassez de água no Vale do Rio Doce? Qual é a situação hídrica da região atualmente?

Gilson Gomes – A escassez de água se deve à ocupação antrópica, desmatamento desordenado, ausência de cobertura vegetal nos topos de morro, nascentes desprotegidas, ausência de mata ciliar, uso irracional e falta de controle dos recursos hídricos em toda bacia, esgoto sanitário lançado no rio e baixo índice de pluviosidade.

IHU On-Line – A partir da recuperação das nascentes na região, qual é a expectativa no sentido de resolver o problema de escassez de água?

Gilson Gomes – A Implantação do Programa Olhos D’água, através da proteção e recuperação de todas as nascentes do Vale do Rio Doce, é o primeiro passo para o restabelecimento dos recursos hídricos. O Programa sozinho não muda a vida de ninguém, mas oportunamente é capaz de interagir com as políticas públicas existentes e mudar a vida das pessoas, dando um resgate social e promovendo o desenvolvimento da atual e futura geração.

O sucesso deste programa está atrelado ao desenvolvimento sustentável da propriedade rural. Hoje os recursos hídricos estão escassos, por isso uma propriedade rural tem que proteger e produzir água para seu sustento, lembrando que este recurso é primordial no seu processo produtivo. Assim, o produtor deve ser responsável pelo uso da água de modo a poder ofertar o excedente à sociedade.

Nesta linha, é importantíssima a valoração da propriedade rural “produtora de água”. Valorar economicamente este bem é uma estratégia social para resgatar o produtor na promoção da recuperação e conservação dos recursos naturais, tendo em vista que todos os setores da economia que têm intervenção humana necessitam da água para se desenvolverem.

A simples presença de água, em abundância e com qualidade, resgata o valor econômico e a função social da propriedade na medida em que ela se torna produtiva e pode fixar o homem e sua família no campo. A recuperação dos recursos hídricos, certamente, reduziria a pressão para o adensamento urbano ainda maior, e permitiria que centenas de pequenos e médios municípios dessem melhor atenção à infraestrutura básica, incluindo esgotamento e tratamento de esgoto sanitário, adequação de estradas vicinais, e outras condições para que se possa recuperar completamente a região do vale do Rio Doce.

IHU On-Line – Como será a participação dos produtores rurais da região nesse processo de recuperação das nascentes?

Gilson Gomes – O produtor, ao ser selecionado, assina um Termo de Compromisso se comprometendo a proteger e conservar a área selecionada. O produtor também é parceiro no programa, através do fornecimento de mão de obra para o cercamento da área da nascente, além de ser responsável pelo plantio e replantio e manutenção das mudas plantadas. Em síntese, o produtor rural é um grande aliado do programa.

IHU On-Line – O projeto de recuperação das nascentes pretende instalar 180 fossas sépticas nas propriedades rurais dos produtores envolvidas no projeto. Qual a importância dessas fossas na recuperação e manutenção das nascentes?

Gilson Gomes – As fossas sépticas já estão em fase final de implantação. Até o momento já foram implantadas 129. A meta é instalarmos uma fossa para cada propriedade rural da bacia do Vale do Rio Doce. O produtor, ao proteger sua nascente, contribui de forma sistemática para a produção de água. Antes da instalação das fossas, ao mesmo tempo em que o produtor produzia água, ele lançava esgoto para os corpos d’água. Assim, se o produtor tem uma fossa em sua propriedade, será possível amenizar o problema do saneamento rural, além de poder aproveitar os dejetos para adubação das plantas.

(EcoDebate, 04/08/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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