terça-feira, 8 de setembro de 2015

Cacau, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] No começo do século passado, as grandes “commodities” agrícolas do país não tinham o mesmo perfil de atualmente. Até mesmo porque a história evolui, e nada é estático. Mas pode se afirmar que a cana-de-açúcar, o café e o cacau tinham papel de destaque nas pautas exportadoras. O modo de produção da época, e também a rede de relações da estrutura social era diferenciada.

Havia menos mecanização e a aristocracia de São Paulo detinha o controle dos cafezais, enquanto já se materializava a decadência dos senhores de engenho no nordeste, que dominavam a produção de cana de açúcar e seus derivados, e o cacau era imortalizado pelos coronéis cacaueiros do sul da Bahia, na obra singular e genial de Jorge Amado.

Evidentemente que esta simbologia guarda extrema simplificação histórica, mas reflete uma época da trajetória, principalmente agropecuária, deste país. Em recente entrevista para a NBR, a TV do governo federal, Helinton Rocha, diretor da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), dentre várias manifestações da maior relevância, registrou que atualmente a produção de cacau tem outro perfil, sendo derivada 85% de pequenos e médios produtores e, apenas cerca de 15%, proveniente de grandes propriedades.

Citou também que hoje em dia são importantes as disponibilidades geradas por um conjunto de condicionantes associadas, que denominou “terroir”, como em regiões especializadas na produção de qualquer bem que sejam determinados pelo conjunto de tipo de solo, clima, presença de um tipo específico de recurso humano, e outras características que tornam peculiar determinada produção advinda de uma região ou localidade.

É também um termo muito clássico, entre italianos que denominam produtos originários de determinada região com a descrição “origine controllata” ou franceses que empregam o termo tipicamente para suas regiões vinícolas. Por isto não se chama mais vinhos espumantes de outras regiões como “Champagne”, pois este é o vinho produzido especificamente numa região geográfica da França.

Este produto quando proveniente de Garibaldi ou de outros locais da Serra gaúcha são descritos como “espumantes”, com a denominação da marca após o termo genérico descrito. Este termo “terroir” não designa apenas terra, mas um conjunto de fatores tais como geologia, topologia, clima e o produtor responsável propriamente dito.

“Terroir” conforme a acepção originalmente desenvolvida por geógrafos franceses, conceito também adotado na Itália e em outras localidades, significa um conjunto de terras, com sua hegemonia determinada pelos caracteres físicos. E também pelo conjunto de relações sociais congregadas por coletividades inter-relacionas pela produção de bens análogos, e por relações familiares e culturais determinantes para a existência e manutenção de tradição na defesa comum de seus produtos gerados sempre com alguma nuance artesanal, e solidariedade na exploração de seus produtos.

Este conceito é muito parecido a conceituação ambiental de geobiossistema, que é um conjunto de hegemonias hierarquizado por um mesmo sistema de relações físicas, biológicas e também humanas, que determina uma forma de vida numa localidade ou região considerada. Ou então, até mesmo os conceitos de “cluster”, originalmente derivados da informática, representando um agregado de computadores que utilizava um mesmo tipo de sistema operacional, que também se classificava como sistema distribuído.

Esta é uma concepção que depois evoluiu na área industrial. Na dimensão da indústria, um “cluster” é uma concentração de empresas que se localizam em determinada região e se relacionam pela tradição do uso de recursos humanos historicamente desenvolvidos em meio cultural interligado a determinado ramo de atividade.

Isto acaba produzindo grande sinergia, fábricas, fornecedores, desenvolvimento de recursos humanos dentro de tradição vinculada e cultura conectada com determinados valores. Esta concepção foi popularizada pelo economista Michael Porter no seu livro clássico “A vantagem competitiva das nações”. Exemplos mais comuns são o “Silicon Valley” ou vale do silício no estado da Califórnia ou a região de Kista na Suécia.

Tudo isto leva a uma reflexão inevitável na área ambiental. Quem sabe a grande produção de soja, milho, ou outra “commoditie” não venha a ser substituída por uma produção diferenciada, que mesmo em larga escala, em grandes proporções ou movimentando grandes cifras, não venha a ser substituída por conceitos próprios e típicos de “terroir”, dotando a atividade de nítido componente artesanal insubstituível no contexto dos demais elementos registrados no conjunto. Esta singularidade atribuída pelo trato artesanal parece ser uma tendência moderna, muito estimulada em todas as áreas por expressões como “costumer” ou customização. De alguma forma todos procuram se individualizar.

E onde a expectativa seja que, o maior equilíbrio resultante do meio ambiente determine menor uso de agrotóxicos ou elementos impactantes e maior busca de harmonia e situação homeostática plena no meio natural, no ecossistema ou no bioma considerado. Assim como seria inimaginável raciocinar que os grandes coronéis cacaueiros imortalizados por Jorge Amado no sul da Bahia fosse substituídos por uma ampla dominância de pequenos e médios produtores, que num ambiente de “terroir” recuperaram a competitividade de toda uma produção cacaueira que se resgatou de forma relevante, assim pode ser com os atuais produtores de “comoddities”.

O “agribusiness” do país atualmente é muito responsabilizado por este modo de produção industrial, aplicado à produção de grãos, que transforma a agricultura numa engrenagem de rotinas, desconsiderando as peculiaridades ambientais e os demais fatores hierarquizados e culturalmente apreendidos em determinada região.

Vai ficar faltando apenas um “Jorge Amado” que registre este atual momento da produção de grãos no país “industrializada” e “standartizada”. No futuro podem predominar conceitos de customização em ambiente de “terroir”. E para registrar que existiu esta fase, e se acredite que um dia se praticaram, tanto e tormentosos desequilíbrios ambientais, como a maciça utilização de agrotóxicos, discussões sobre zonas de refúgios e tecnologias que se confundiam apenas com a concepção de desenvolvimento de moléculas de venenos para combater pragas, que fossem cada vez mais eficazes e eficientes dentro de uma visão fragmentada do conjunto.

É apenas uma reflexão, mas pareceu muito procedente quando se registrou uma alteração tão paradigmática na forma de desenvolvimento de uma cultura agrícola, há muito pouco tempo tão representativa para todo o conjunto da realidade do país.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, 08/09/2015
"Cacau, artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, 8/09/2015,http://www.ecodebate.com.br/2015/09/08/cacau-artigo-de-roberto-naime/.

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