quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Agronegócio e agricultura familiar, dois modelos agrícolas em busca de hegemonia, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] Em matéria de Danilo Augusto se destaca que o modelo de “agrobusiness” vigente no país, é hegemônico desde a década de 1960, com a chamada Revolução Verde, que representou uma mudança tecnológica e química no modo de produção agrícola. Com isso, o campo passaria por uma modernização, com o aumento da produção de alimentos, com a mecanização do campo e o uso dos pacotes agroquímicos que incluem adubos e venenos.

Esta transformação na agricultura, padronizou a produção de alimentos, fortaleceu os latifúndios, concentrou as propriedades agrícolas, com a substituição da agricultura em que a produção de alimentos estava relacionada às necessidades locais, incentivou as práticas dos monocultivos com o uso de sementes híbridas e transgênicas.

Estes elementos alimentam o agronegócio, que hoje busca manter a hegemonia contra uma forte reação da agricultura familiar, como explica o integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Frei Sérgio Görgen.

“O agronegócio faz uma mecanização de grande porte, cujo impacto ambiental é muito grande, principalmente com o aumento da produtividade do trabalho das máquinas, que expulsam as pessoas dos seus postos de trabalho. Isto faz com que áreas enormes sejam devastadas por essas máquinas, que permitem cultivar grandes extensões de terra com monocultivos muito intensivos. Com isso o grande capital industrial, com usos de máquinas, implementos, venenos e fertilizantes, atrelado com o capital financeiro, que fornece o dinheiro, formam uma unidade com o latifúndio que prejudica o campo.”

Segundo a Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM), na última safra foram vendidos bilhões de dólares em defensivos agrícolas.

O modelo do agronegócio provoca também a concentração do mercado de insumos. As empresas que fabricam os venenos são as mesmas que produzem as sementes resistentes a eles.
Com isto, quando o produtor adquire a semente, obrigatoriamente terá que comprar o agrotóxico correspondente. Esse investimento coloca nas mãos das empresas transnacionais o controle das sementes, que são “viciadas” em insumos, como explica o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Antonio Pignati.

“As sementes das grandes indústrias são dependentes de agrotóxicos e fertilizantes químicos. As indústrias não fazem estudos para sementes livres destes produtos. Não criam sementes resistentes a várias pragas, sem a necessidade de agrotóxicos. Não fazem isto, porque são produtores de sementes e agrotóxicos. Criam sementes dependentes de agrotóxicos. E com os transgênicos, a situação piora.”

Para o engenheiro agrônomo Horácio Martins, estas empresas criaram uma perigosa dependência, por meio do controle da forma como os produtos serão comercializados.

“Desde a semente até a colheita, a lavoura é dependente dos fertilizantes, agrotóxicos, hormônios e herbicidas que as sementes trazem como exigência para fecundarem. Estamos vivendo um momento dominado pelos Impérios Setoriais.” São poucas as empresas, no mundo inteiro, que controlam o mercado dos agrotóxicos e fertilizantes. Com este controle, essas empresas dominam o “governo” do mundo, elas criam a necessidade das pessoas consumirem os produtos que eles produzem, oferecem o produto e definem a forma como ele será comercializado” assinala ele.

Os governos fizeram uma opção pelo agronegócio que não permite a realização de um debate sobre as implicações do uso excessivo de agrotóxicos na saúde humana, no meio ambiente e que causam um sério risco socioambiental.

Os trabalhadores do campo são os que mais estão expostos por mais tempo em suas jornadas de trabalho de até dez horas. Sem dúvida o agricultor é o segmento social mais atingido. O consumidor é atingido quando ingerir um alimento que, mesmo com pequenas concentrações, são produtos altamente tóxicos.

Existem alimentos com até quinze tipos de substâncias. Os consumidores estão expostos ao que chamamos de efeitos crônicos, ou seja, sentirão o efeito com o passar dos anos. O pior é que as perspectivas de reversão são bem pequenas. Há uma dessimetria de poder entre quem é atingido e quem gera o problema muito grande.

Para Frei Sérgio, a sociedade brasileira está passando por um processo de desinformação e uma alienação alimentar. Para ele, as mudanças só serão possíveis se houver uma consciência alimentar da população, que deve ser mais crítica com a questão da produção de alimentos no Brasil. Ele ainda afirma que é possível, apesar das dificuldades, fazer uma transição do atual sistema de produção para um modelo baseado na agroecologia e na agricultura familiar.

Nesse quadro, há uma disputa entre dois modelos agrícolas, o agronegócio e a pequena agricultura e agricultura familiar. Diante dos efeitos causados pela utilização dos agrotóxicos, é necessário que os produtores, com os consumidores, discutam qual o melhor modelo de produção agrícola para o país.


Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, 28/01/2016
"Agronegócio e agricultura familiar, dois modelos agrícolas em busca de hegemonia, artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, 28/01/2016,http://www.ecodebate.com.br/2016/01/28/agronegocio-e-agricultura-familiar-dois-modelos-agricolas-em-busca-de-hegemonia-artigo-de-roberto-naime/.

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