quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Consequências de agrotóxicos na saúde pública, parte II, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] CASSAL et. al. (2014) numa comparação simples, estimam que a concentração de uso de ingrediente ativo de fungicida em soja no Brasil, no ano de 2008, foi de 0,5 litro por hectare, bem inferior à estimativa de quatro a oito litros por hectare em hortaliças, em média.

Asseguram constatar que cerca de 20% da comercialização de ingrediente ativo de fungicida no Brasil é destinada ao uso em hortaliças. Dessa maneira pode-se inferir que o uso de agrotóxicos em hortaliças, especialmente de fungicidas, expõe de forma perigosa e frequente a saúde do consumidor, o ambiente e os trabalhadores à contaminação química por uso de agrotóxicos (ALMEIDA; CARNEIRO; VILELA, 2009).

Segundo CASSAL et. al. (2014) pesticidas, quando usados corretamente, causam pouco impacto adverso no meio ambiente. Entretanto, quando utilizados sem as devidas precauções e cuidados em relação a manipulação, produção, estocagem e destino final, põe em risco não só o meio ambiente, mas também a saúde das pessoas que de alguma forma entram em contato com tais produtos.

É evidente que traços de resíduos de pesticidas presentes no solo, água, ar e alimentos podem ser perigosos à saúde do homem e ao meio ambiente. Com isso, o objetivo é relatar os perigos da utilização indiscriminada de agrotóxicos na agricultura e suas consequências na saúde pública.

Elevados níveis de contaminação humana e ambiental têm sido encontrados em regiões agrícolas no Brasil. São vários os fatores que contribuem para essa estatística, como a ampla utilização, o desrespeito às normas de segurança, a livre comercialização e a pressão exercida pelas empresas distribuidoras e produtoras.

FARIA et al. (2004) relatam que os principais fatores ocupacionais que evidenciam um risco aumentado para intoxicações são: aplicar agrotóxicos, reentrar na cultura após aplicação, usar equipamentos para trabalho com agrotóxicos mais que dez dias por mês e trabalhar com agrotóxicos em mais de uma propriedade.

Um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado pelos agrotóxicos, segundo análise de amostras coletadas em todas as 26 Unidades Federadas do Brasil, realizadas pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da ANVISA (2011).

Evidenciou-se que 63% das amostras analisadas apresentaram contaminação por agrotóxicos, sendo que 28% apresentaram ingredientes ativos não autorizados (NA) para aquele cultivo e/ou ultrapassaram dos limites máximos de resíduos (LMR) considerados aceitáveis.

O caso mais grave é o do pimentão com 92% das amostras irregulares, contra 63% dos morangos, 57% do pepino, 54% das amostras de alface e 50% de cenoura. O tomate, que já esteve no topo do ranking, hoje, tem contaminação de 16%. Foram observadas irregularidades em cerca de 30% das amostras analisadas de beterraba, mamão e abacaxi.

O alimento que saiu ileso de agrotóxicos foi a batata que obteve resultado satisfatório em 100% das amostras analisadas. Parte dos agrotóxicos utilizados tem a capacidade de se dispersar no ambiente, e outra parte pode se acumular no organismo humano, inclusive no leite materno.

O leite contaminado ao ser consumido pelos recém-nascidos pode provocar agravos à saúde, pois os mesmos são mais vulneráveis à exposição a agentes químicos presentes no ambiente, por suas características fisiológicas e por se alimentar, quase exclusivamente com o leite materno até os seis meses de idade (CARNEIRO et al., 2012).

São inúmeros os estudos que associam o uso de agrotóxicos e seus efeitos nocivos na saúde humana (ALAVANJA, 1999; COLOSSO et al., 2003 e PERES et al., 2003). Os efeitos agudos, conforme CASSAL et. al. (2014) aparecem durante ou após o contato da pessoa com o agrotóxico, podendo ser divididos em efeitos muscarínicos, nicotínicos e centrais.

Segundo KOIFMAN e HATAGIMA (2003) um grande número de agrotóxicos apresenta atividade potencialmente capaz de desregular o equilíbrio endócrino de seres humanos e animais, sendo que a exposição a estes disruptores endócrinos estaria associada a cânceres, a modificação na razão entre sexos ao nascimento, infertilidade, más-formações congênitas no trato genital masculino e a modificações na qualidade do sêmen.

O uso indiscriminado de agrotóxicos tem resultado em intoxicações, em diferentes graus, de agricultores e de consumidores, tornando-se um problema de saúde pública. Apesar de vários estudos evidenciarem as graves consequências que estes podem implicar, ainda existem no Brasil alguns obstáculos que impedem o desenvolvimento de uma agricultura menos agressiva para as pessoas e para o meio ambiente (PIRES et al., 2005).

A exposição ocupacional aos agrotóxicos têm um forte impacto na saúde pública. Os efeitos mais bem documentados sobre a exposição ocupacional de trabalhadores rurais envolvem o sistema nervoso.

CASSAL et. al. (2014) observaram que as consequências neurotóxicas de uma exposição aguda de alto nível estão associadas a uma série de sintomas e defeitos na conduta neurológica e anormalidades na função nervosa. Os sintomas neurológicos menos severos incluem dor de cabeça, tontura, náusea, vômito e excessivo suor. Já os mais perigosos são o desenvolvimento de fraqueza muscular e bronquiespasmos, podendo progredir para convulsões e coma.

CASSAL et. al. (2014) também notaram que a exposição a pesticidas pode estar associada ao aumento do risco de doenças neurodegenerativas, particularmente o mal de Parkinson. Entre algumas das manifestações de intoxicação por agrotóxicos observadas em trabalhadores rurais estão a diminuição das defesas imunológicas, anemia, impotência sexual masculina, cefaleia, insônia, alterações da pressão arterial, alterações do humor e distúrbios do comportamento, como surtos psicóticos.

Referências:

ALMEIDA, V. S; CARNEIRO, F. F; VILELA, N. J. Agrotóxicos em Hortaliças: Segurança Alimentar e Nutricional riscos socioambientais e políticas públicas para a promoção da saúde. Tempus Actas de Saúde Coletiva, v.4, p.84-99, 2009.

ALAVANJA, M. C. Characteristics of persons who self reported a high pesticide exposure event in the Agricultural Health Study. Environ Res., 80:180-186, 1999.

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Programa de Análise de Resíduo de Agrotóxico em Alimentos (PARA), dados da coleta e análise de alimentos de 2011. Brasília

ANVISA, UFPR. Seminário de mercado de agrotóxico e regulação. Brasília: ANVISA. Acesso em: 11 abr. 2013.

BRASIL, 2010. Ministério da Saúde. Protocolo de Atenção à Saúde dos Trabalhadores Expostos a Agrotóxicos. Disponível em: Acesso em: 18 jul. 2013.

BRASIL, Decreto n.º 4.074 de 04 de janeiro de 2002. Regulamenta a Lei nº 7.802/89 (Lei Federal dos agrotóxicos). Brasília, Diário Oficial da União de 08/01/2002.

CARNEIRO, F. F.; ALMEIDA, V. E. S. e BRASIL é o país que mais usa agrotóxicos no mundo. Disponível em: 17 nov. 2013.

CARNEIRO, F. F.; PIGNATI, W.; RIGOTTO, R. M. et al. Dossiê ABRASCO – Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Parte 1 – Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Nutricional e Saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2012.

COLOSSO, C.; TIRAMANI, M.; MARONI, M. Neurobehavioral effects of pesticides: state of theart. Neurotoxicology, 24, p.577-591, 2003.

DAMS, R. I. Pesticidas: usos e perigos à saúde e ao meio ambiente. 2006. Disponível em: 08 jun. 2013. DOSSIÊ ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde. Parte 1 – Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Nutricional e Saúde. Acesso em: 10 jul. 2013.

FARIA, N. M. X., FACHINI, L. A., FASSA, A. G., TOMASI, E. Trabalho rural e intoxicações por agrotóxicos. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.20, n.5, p. 1298-1308, 2004. FAO
FAOSTAT. Data base Results. [on line]. Disponível em: http://apps.fao.org>. Acesso em: 08 jul. 2013.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTATÍSTICA E GEOGRAFIA. Censo agropecuário do Brasil. 2006. Acesso em: 10 jun. 2013.

KOIFMAN, S.; HATAGIMA A. Disruptores endócrinos no ambiente: efeitos biológicos potenciais (Editorial). Revista Brasileira de Mastologia, 13 (1) p.9-11, 2003.

LEVIGARD, I. E. e ROZEMBERG, B. A interpretação dos profissionais de saúde acerca das queixas de “nervos” no meio rural: uma aproximação ao problema das intoxicações por agrotóxicos. Caderno de Saúde Pública, Rio de janeiro, v.20, n.6, p. 1515-1524, 2004.

ORTIZ, F. Um terço dos alimentos consumidos pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos. Disponível em: < http://www.noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2012/05/01/um-terco-dos -alimentos- consumidos- pelos- brasileiros- esta-contaminado-por-agrotoxicos.htm>. Acesso em: 20 dez. 2013.

PERES, F. e MOREIRA J. É veneno ou é remédio? Agrotóxicos, saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2003. 384 p.

PIRES, D. X.; CALDAS, E. D. e RECENA, M. C. P. Uso de agrotóxicos e suicídios no estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.21, n.2, p. 598-605, 2005.

TADEO J. L., SÁNCHEZ-BRUNETE C., BEATRIZ A. B., et al. Analysis of pesticide residues in juice and beverages. Critical Rev. Analytical Chem. 34, p.121-131, 2004. THEISEN, G. O mercado de agroquímicos. Acesso em 17 jun. 2013.

CASSAL, Vivian Brusius; AZEVEDO, Letícia Fátima; FERREIRA, Roger Prestes; SILVA, Danúbio Gonçalves e SIMÃO Rogers Silva, Agrotóxicos: uma revisão de suas consequências para a saúde pública. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental – REGET, V. 18 n. 1 Abr 2014, p.437-445

* No EcoDebate, as tags Agrotóxicos e Transgênicos

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, 24/02/2016

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