quinta-feira, 21 de abril de 2016

Em audiência pública no STF, especialista diz que a Ciência foi ignorada no novo Código Florestal

Ministro do STF, Luiz Fux, disse que deve julgar as ações diretas de inconstitucionalidade ainda neste semestre

Quatro anos após ser aprovado, o novo Código Florestal enfrenta quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (SFT) que questionam 58 artigos da Lei nº 12.651/2102, de um total de 84 artigos. Um dos principais pontos discutidos na audiência realizada na sede da Corte, nesta segunda-feira, 18, é o fato de que o Congresso Nacional ignorou as recomendações da Ciência, que alertou sobre os retrocessos que a legislação traria para a conservação da biodiversidade do País, apesar de mais de 200 audiências públicas realizadas sobre o tema.

A audiência pública desta segunda-feira foi realizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, relator de quatro ADIs que, segundo disse, questionam praticamente todo o novo Código Florestal. Do total, três foram ajuizadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) e uma pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

O ministro Fux disse que o STF cumprirá os ritos das ações. “Marcaremos uma pauta de urgência dentro de dois meses, ainda neste semestre, para julgar a causa”, disse.

O debate reuniu 22 palestrantes, entre cientistas que participaram do grupo de trabalho do Código Florestal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para contribuir com propostas para elaboração da legislação; ambientalistas, representantes do agronegócio e o ex-relator da comissão especial da Câmara que tratou da matéria, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), atual ministro da Defesa.

Contudo, a SBPC não foi convocada para a audiência. Há duas semanas, no dia 4 abril, a Sociedade encaminhou uma carta ao ministro do STF protestando contra a não inclusão de um representante da entidade na audiência do dia 18 de abril. Em 2010, a Sociedade constituiu um grupo de trabalho para reunir contribuições à nova lei, que foram entregues ao Congresso em 2011.

As principais críticas dos cientistas e ambientalistas são sobre a redução de proteção de áreas de preservação permanente (APPs), principalmente em torno de rios e nascentes; e a redução de proteção das áreas de reserva legal. Por outro lado, o setor produtivo do agronegócio alegou que a eventual inconstitucionalidade do novo Código Florestal inviabilizaria as atividades econômicas para a agricultura e pecuária do Brasil, com impactos negativos nas metas internacionais da segurança alimentar.

Alertas da Ciência

O cientista Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), um dos relatores do trabalho sobre o Código Florestal, disse que as ADIs são embasadas no trabalho patrocinado pela SBPC e ABC. Durante o debate do novo Código Florestal, a SBPC teve um papel relevante sobre proposições para o avanço da legislação.

“As ADIs têm repetidas menções aos documentos produzidos pela SBPC e ABC. A ciência brasileira, nas suas melhores instituições, foi ignorada pelo Congresso Nacional. Tudo foi feito com base em apenas um relatório técnico e nós havíamos apresentado mais de 300 estudos de revisão”, disse.

Na leitura do cientista, se as análises científicas tivessem sido contempladas no novo Código Florestal, neste momento, não estariam se discutindo as ADIs, mas certamente estaria se discutindo pontos para novos avanços da legislação.

Desmatamento volta a crescer com Código Florestal

Segundo ele, o desmatamento voltou a crescer intensamente a partir de 2012, exatamente com a implementação da nova legislação. No Mato Grosso, por exemplo, as taxas têm dobrado, exatamente na região que recebe umidade da Floresta Amazônia. Ele apresentou as peculiaridades do fluxo atmosférico de umidade do eixo norte ao sul do País e disse que a eliminação de áreas de vegetação nativa está prejudicando as chuvas, com impactos hídricos na região Sudeste, por exemplo.

“As florestas geram o clima amigo e o desmatamento quebra a bomba d´agua e leva ao clima inóspito”, disse. Ele destacou que, no Nordeste, o processo de desertificação vem se ampliando.

Nobre disse ainda que o desmatamento vem crescendo, inclusive, em plena recessão da atividade econômica. “A leitura que faço sobre isso, da perspectiva objetiva e científica, é que o desmatamento está aumentando porque a Lei Florestal liberou muitos aspectos da psicologia do desmatamento”, disse.

Já o deputado Aldo Rebelo, relator do primeiro relatório na comissão especial sobre o Código Florestal, discorreu sobre os debates com várias instâncias sobre a legislação, quando mais de 200 audiências públicas foram realizadas e disse que se chegou “ao equilíbrio” possível.

“Em nenhum momento na história do Brasil e em nenhuma legislação o Congresso mergulhou em águas tão profundas para ouvir a sociedade, os agricultores – pequenos, médios e grandes – e em ouvir as organizações de gestão dos Estados, municípios e da União; e em ouvir também a universidade, a academia, e aqueles que são diretamente atingidos por essa situação”, disse. “Conseguimos identificar quais eram os elementos decisivos para que essa situação fosse resolvida com equilíbrio”, complementou.

Rebelo considerou o novo Código Florestal a maior reforma microeconômica que o Brasil conheceu nos últimos anos, por trazer segurança jurídica e organizar produção da agricultura e pecuária. Segundo ele, o governo está unificado sobre os avanços do Código.

Outras menções à SBPC

Rebelo citou ainda o diálogo que houve com a SBPC. “Hoje mesmo falei com a presidente da SBPC (Helena Nader), que não conseguiu aqui prestar o seu depoimento, mas também avalia que esse Código é um avanço importante para a legislação ambiental e florestal do Brasil.”

Na audiência pública, a SBPC foi citada por três palestrantes. A especialista em biodiversidade, a bióloga Nurit Bensusan, assessora do Instituto Socioambiental (ISA), discordou do ministro Aldo Rebelo e disse que, ao contrário do que disse, a SBPC produziu estudos mostrando os retrocessos que o Novo Código Florestal traria à biodiversidade brasileira.

“Qual o sentido de se manter no Código Florestal os dispositivos que minam a função ambiental das florestas e colocam em xeque o meio ambiente equilibrado, os direitos de todos os brasileiros e trazem riscos as atividades econômicas que dependem do meio ambiente?”, questionou a especialista.

Em novembro de 2015 a SBPC havia encaminhado carta ao ministro Luiz Fux, sobre os retrocessos do novo Código Florestal e lembrando que, durante o processo de formulação da lei, a SBPC e ABC apresentaram contribuições críticas ao debate, com “fundamentações científicas, tecnológicas, econômicas, sociais e ambientais sólidas que poderiam ter sido usadas para se construir um Código Florestal mais inovador e atual, o que lamentavelmente não aconteceu”.

Esclarecimentos da Procuradoria Geral da República

No fim da audiência, o ministro Luiz Fux disse que as ações questionam praticamente todo o Código Florestal. Ele disse que o debate trouxe vários argumentos sobre os quais o STF não tinha conhecimentos. “Uma coisa é discutir a questão jurídica, outra é discutir questões relativas ao meio ambiente, com base científica de segmentos especializados. Ouvimos aqui problemas relacionados ao impacto ambiental, à produção de alimentos, ao desmatamento, multas, desproteção do pequeno agricultor”.

A procuradora Sandra Verônica Cureau, da Procuradoria-Geral da República, que ajuizou três ações, acompanhou a audiência do lado da plateia, e disse que o Código Florestal representa um retrocesso para proteção e conservação do meio ambiente. “As três ADIs que ajuizei quando estava no exercício do cargo de procurador geral da República questionam a anistia concedida aos que desmataram antes de 2008, questionam a redução da proteção às áreas de preservação permanente, e questionam a redução de proteção das áreas de reserva legal”, disse.

Ela disse que 58 dos artigos do novo Código Florestal (de um total de mais de 60 artigos) são questionados, razão pela qual ajuizou três ações, porque seria muito difícil fazer em uma única ação tantos questionamentos e tantas impugnações com violação ao meio ambiente.

Por Viviane Monteiro, Jornal da Ciência / SBPC.

in EcoDebate, 20/04/2016

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