quarta-feira, 22 de junho de 2016

Grupo pesquisa alcance da medicina baseada em evidências


Campinas, 29 de fevereiro de 2016 a 06 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 647

Pesquisadores da FT-Limeira trabalham com o conceito de translação do conhecimento

Texto: Carlos Orsi


Edição de Imagens: André Vieira
“Medicina Baseada em Evidências” é o nome dado à prática de integrar os resultados de estudos científicos bem conduzidos, incluindo os trabalhos mais recentes, ao processo de tomada de decisões pelos médicos no tratamento individual de seus pacientes, unindo os resultados das pesquisas à experiência pessoal do médico. O movimento tem ganhado impulso nas últimas décadas, mas enfrenta, além de resistências culturais, uma enorme dificuldade técnica: com mais de um milhão de artigos indexados a cada ano, como avaliar a qualidade das evidências e levá-las até o consultório?

No Brasil, a busca de solução para esses problemas tem sido alvo de estudos conduzidos pelo grupo de pesquisa Tecnologia e Informação em Saúde, liderado pelo pesquisador Ivan Luiz Marques Ricarte, da Faculdade de Tecnologia (FT) do campus de Limeira da Unicamp.

“Existe um certo folclore em torno da Medicina Baseada em Evidências”, disse Ricarte. “O pessoal acha que o objetivo é automatizar o processo de decisão clínica, mas não é por aí”, explica. “A ideia é fornecer a informação mais atualizada sobre os resultados de pesquisa para que, junto com a experiência do médico, do profissional de saúde – porque a gente também fala mais genericamente em Prática da Saúde Baseada em Evidências – a pessoa possa tomar a melhor decisão”.

O pesquisador acrescenta que a base de seu grupo de pesquisa é o conceito de translação do conhecimento, “que é como levar o resultado da pesquisa para a prática clínica”, define. “O que nós temos, normalmente, é o nosso mundo acadêmico: a gente faz a pesquisa, publica, cita, e aí ficam aqueles índices de produtividade, de impacto, mas do que isso tem de impacto real, na prática, nada se mede”, disse.

“A translação do conhecimento é um processo que passa pela difusão, pelo intercâmbio e pela aplicação do conhecimento da pesquisa, com o objetivo de melhorar o sistema de saúde. A ideia básica é: como você faz para levar essa informação, que é resultado de pesquisa, publicada em revista científica, à aplicação no paciente”.

Bases de Evidência

A internet abriga diversos websites que atuam como bases de evidência, onde editores monitoram a literatura científica da área médica, selecionam os artigos que têm maior chance de ser relevantes para a prática clínica e elaboram sínteses em uma linguagem mais acessível para o médico não-pesquisador. Os sites cobram pelo acesso, mas há serviços – como o Portal da Saúde Baseada em Evidências, do governo federal – que franqueiam o acesso de profissionais da área médica a diversas dessas bases.

“Mas há outras dificuldades, no sentido de que não basta colocar a informação à disposição”, disse Ricarte. “Não é suficiente. Há análises que mostram que não basta disponibilizar, porque muitas vezes o profissional não sabe que não sabe. Ele não sabe que precisa da informação. Às vezes, a pessoa acha que já sabe o suficiente e desconhece que há uma informação mais nova que pode até contradizer o conhecimento prévio dela”.

“Em um dos projetos que temos em andamento, fizemos essa pergunta para quem se inscrevia: que recurso você usa quando precisa tirar uma dúvida, tomar uma decisão sobre um paciente? E efetivamente no resultado que temos aí, com pouco mais de 350 participantes, a questão das evidências fica lá para baixo”, revela. “As pessoas respondem: vou ler um livro, um artigo científico, pergunto para os colegas... Mas as bases de evidências, e o portal Saúde Baseada em Evidências, então não são muito utilizados. E não é por falta de acesso à internet: outro tema que vimos foi, com que frequência você acessa a internet? Então, de 350, 315 acessam todo dia. E quantos acessam o portal Saúde Baseada em Evidências? Poucos acessam o portal, e quem acessa vai uma vez por mês. Então, está disponível mas não é acessado”.

O grupo de Ricarte trabalha nesse contexto: como que a tecnologia da informação pode ajudar o profissional de saúde a alcançar informações relevantes para apoiar o exercício de sua prática clínica, e a tomada de decisão clínica? “A informação está lá, agora é preciso usar a tecnologia para levar a informação ao profissional”, disse.

Exemplo canadense

Uma dissertação de mestrado orientada por Ricarte, com o título “Sistema de Recomendação de Evidência a Profissionais da Saúde”, defendida pela pesquisadora Natália Cristina Borges de Faria, na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, avaliou um sistema de recomendações de evidências médicas usado no Canadá.

“A Associação Médica Canadense tem um programa de capacitação dos profissionais que, diariamente, oferece uma síntese de evidências retirada de uma dessas bases de dados, via e-mail. O profissional recebe um e-mail desses todos os dias”, explica o pesquisador. “Porque não basta ter a informação disponível. O médico tem acesso à base de dados via web, mas não vai atrás”. Com o sistema de “push” – literalmente, “empurrar” – a informação é repassada ao médico sem que ele precise procurá-la. “Então, o profissional recebe a informação, vê o assunto do e-mail, de repente se interessa”.

Esses e-mails são estruturados sob a forma de uma questão clínica – uma eventual dúvida a que a evidência apresentada na mensagem pode responder – uma sinopse, o nível de qualidade da evidência e o link para a referência completa. “O e-mail também tem um link que permite à pessoa avaliar a evidência. Existe um questionário que foi desenvolvido na Universidade McGill, que avalia quatro aspectos da evidência, dessa informação que foi passada: qual foi o impacto cognitivo – a informação trouxe algo novo? Ou apenas fez lembrar alguma coisa que você já sabia? Ou você discorda de alguma informação, acha que ela está errada, tem algum problema com ela? Esse é o lado cognitivo”, descreve Ricarte.

“Tem ainda a questão de se o profissional vê uma possibilidade de aplicação prática daquela informação para algum de seus pacientes. Se for relevante para algum paciente: a terceira dimensão avaliada no questionário é, que tipo de uso você pretende fazer da informação? Você vai usar essa informação para, de repente, alterar a forma com que você está tratando o paciente? Ou você vai usar essa informação para convencer o paciente a fazer alguma coisa que ele estava meio reticente? Ou vai usar a informação para levar a um colega? E a quarta e última dimensão é: se você pretende fazer algum uso, é porque você espera algum benefício dessa informação. Espera? Sim ou não? E que tipo de benefício é esse”.

Na dissertação, foram avaliadas as respostas dadas aos questionários de avaliação durante um ano, juntamente com o perfil demográfico dos respondentes. “Nesse levantamento, vimos que havia algumas diferenças por tipo de perfil, área de atuação, faixa etária, até sexo influenciava um pouco. A partir disso, a Natália modelou um sistema que permitiria ao profissional poder saber qual informação está sendo melhor avaliada por pessoas com perfil similar ao seu”. O trabalho produziu um sistema de recomendação de práticas baseadas em evidências. “A partir de agora há um modelo de sistema que, baseado nessa estratégia de coletar informações sobre o que pessoas avaliam, e tendo o perfil demográfico de quem avalia, permite derivar que pessoas podem se beneficiar melhor dessa mesma informação”.

Prontuário eletrônico

Outra dissertação orientada por Ricarte na FEEC – onde atuava como professor-associado antes de se transferir para a FT como titular – trata de técnicas para agregar evidências ao prontuário eletrônico dos pacientes. Esse trabalho é de autoria do peruano Jan Carl Beeck Pepper, e intitulado “Usando Ontologias para Recuperar Evidências de Anotações Clínicas”.

“Ontologias descrevem domínios de conhecimento”, explica Ricarte. “É difícil tentar fazer uma extração de conhecimento, via computador, que seja genérica. Dado um texto de qualquer especialidade médica você pode querer tirar dele, por exemplo, o que é importante ali para buscar evidências associadas. Mas quando se focalizam determinados domínios de conhecimento, domínios específicos, fica mais fácil. Os termos são mais limitados, você já consegue, por meio da modelagem do conhecimento daquela área, saber que aquele termo tem a ver com um procedimento, ou que outro termo pode ser o nome de um medicamento. Com isso, dá para elaborar uma questão clínica, necessária para acessar as bases de evidências”.

O trabalho de Beeck-Pepper, relata o pesquisador, foi esse: “Ele pegou uma área de conhecimento que foi a parte de asma, doenças respiratórias. E fez um modelo, uma ontologia, para essas doenças e, a partir de notas clínicas simuladas, mostrou que era possível, a partir das notas, extrair os termos que seriam relevantes para fazer buscas em diferentes bases de evidências”.

Brasil

O método de agregar evidências aos prontuários está mais próximo da realidade brasileira, disse Ricarte, porque o Brasil ainda não conta com um sistema de “push” de evidências similar ao canadense. “No Brasil existe já um movimento no Ministério da Saúde de implantar o prontuário eletrônico”.

Quanto ao “push”, foi realizado um teste, chamado Evid@SP, encerrado em dezembro. “A gente fez um piloto, de praticamente um ano, só que em vez de mandar todos os dias, mandamos três vezes por semana. O último chega na véspera de Natal”. Com o fim dos testes, o sistema estará disponível para implementação no SUS, se as autoridades desejarem.

Link:

Nenhum comentário:

Postar um comentário