quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Planta presente no Brasil é capaz de colonizar áreas desmatadas

12 de julho de 2016

Elton Alisson | Agência FAPESP – As espécies de árvores nativas pioneiras – que têm capacidade de colonizar ambientes degradados em razão de sua alta capacidade reprodutiva e crescimento rápido, entre outras características – têm sido priorizadas em programas de restauração de florestas tropicais desmatadas.

Isso porque essas árvores facilitam a transição da terra desmatada para a floresta em recomposição ao estabilizar o terreno e melhorar a conectividade entre os fragmentos florestais restantes, além de aumentar a permeabilidade do solo e contribuir para iniciar a montagem de redes de polinizadores e dispersores de sementes de plantas, apontam especialistas na área.

Apesar da importância ecológica dessas espécies pioneiras pouco se sabe, por exemplo, sobre como elas mantêm a diversidade genética nas populações naturais e o fluxo genético entre fragmentos florestais distantes uns dos outros, por exemplo, pondera Rodolfo Jaffé, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV).

“Ter conhecimento da genética dessas espécies é fundamental para conseguir uma restauração mais eficiente ou a recuperação de funções ecossistêmicas-chave em curto ou médio prazo”, disse Jaffé à Agência FAPESP.

“É claro que esses ecossistemas recuperados por meio das espécies de árvores nativas pioneiras nunca serão iguais aos originais. Mas a ideia é chegar o mais próximo possível”, afirmou Jaffé, que realizou pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com Bolsa da FAPESP.

O pesquisador, em parceria com colegas da University of Texas em Austin, nos Estados Unidos, onde fez um estágio de pesquisa também com Bolsa da FAPESP, estudou os padrões de diversidade e diferenciação genética da espécie de árvore nativa pioneira Miconia affinis (conhecida popularmente no Brasil como jacatira-branca), que ocorre na região do Canal do Panamá, na América Central.

Os resultados do estudo foram descritos em um artigo publicado na revista PLoS One.

“A região do Canal do Panamá, que é um hotspot de biodiversidade global, perdeu em torno de 30% das suas florestas nos últimos 50 anos em razão do avanço da agropecuária, e isso tem resultado em uma forte erosão e em um acúmulo muito grande de sedimentos nos córregos e canais, influenciando negativamente todo a bacia e o sistema hídrico da região”, afirmou Jaffé.

“Por isso, o governo do país tem interesse em recuperar as áreas desmatadas para diminuir a erosão e o acúmulo de sedimentos no Canal, e as espécies de árvores nativas pioneiras presentes na região seriam boas candidatas para serem usadas em programas de restauração”, explicou.

A fim de avaliar se áreas desmatadas constituem uma barreira para as populações dessa espécie de árvore que mede entre 3 e 6 metros de altura e está amplamente distribuída na região neotropical (que vai desde o México ao Brasil), os pesquisadores coletaram folhas de cerca de 30 árvores em período de inflorescência e infrutescência de 11 populações diferentes, espalhadas pela região do Canal do Panamá.

Em seguida, extraíram o DNA das folhas e utilizaram marcadores moleculares microssatélites – pequenas regiões do DNA, que variam de um indivíduo para outro – para obter uma assinatura genética (genótipo) de cada uma delas.

Por meio de mapas de alta resolução da cobertura florestal e elevação da região do Canal do Panamá, além de ferramentas de genética da paisagem, eles avaliaram a influência de fatores como a distância geográfica, a altitude e o desmatamento sobre a estrutura e a diversidade genética dessas populações de árvores.

Os resultados das análises estatísticas indicaram que a diferenciação genética dessa espécie de árvore que geralmente coloniza clareiras, áreas ciliares e encostas expostas, aumentou significativamente de acordo com a altitude e a distância geográfica entre as populações.

“Isso quer dizer que, quanto mais afastadas, mais diferenciadas geneticamente são as populações dessa espécie de planta, e quanto mais próximas, mais parecidas são geneticamente. Esse padrão, chamado de isolamento por distância, é esperado para a maioria das populações de plantas”, afirmou Jaffé.

As análises também indicaram que a Miconia affinis apresenta níveis mais elevados de diversidade genética intrapopulacional e menores níveis entre populações do que muitas espécies de plantas pioneiras.

Curiosamente, o nível de diferenciação genética entre populações da planta, que, no Brasil, ocorre na Mata Atlântica, Cerrado e na Amazônia, foi menor do que a média relatada para árvores tropicais, mas semelhante ao de espécies tropicais pioneiras com dispersão mediada pelo vento, apontaram os pesquisadores.

“Esse alto nível de diversidade genética e baixo nível de diferenciação genética entre as populações da planta é devido, provavelmente, à propensão das espécies para colonizar paisagens recentemente desmatadas, levando a um aumento na conectividade entre as populações em toda a região”, estimam os pesquisadores.

Efeito da altitude

Os pesquisadores também constataram que a elevação influencia a diferenciação genética em populações da planta.

As populações da planta localizadas em pontos mais altos eram geneticamente mais diferenciadas do que as situadas em lugares com altitude menor, independentemente da distância que as separam, afirmou Jaffé.

“Uma das razões para isso é que a temperatura mais baixa e a maior precipitação em locais de alta altitude, em comparação com locais de baixa altitude, podem afetar o trabalho dos polinizadores e dos dispersores de sementes dessa espécie de planta”, explicou o pesquisador.

A Miconia affinis é visitada por uma grande diversidade de abelhas sociais e solitárias, e as sementes de seus frutos são dispersas por uma variedade de espécies de pássaros, morcegos e macacos.

A temperatura mais baixa e a maior precipitação em locais mais elevados podem afetar as condições de voo dos insetos e diminuir a abundância de polinizadores nessas regiões.

Temperatura e precipitação também fazem com que a floração das plantas aconteça antes da que ocorre em locais com mais baixas altitudes, apontou o pesquisador.

“Isso faz com que os polinizadores fiquem só no lugar onde ocorre a floração primeiro e que não visitem as populações de plantas localizadas em locais mais baixos, onde ainda não há flor. E essa diferença na fenologia [floração das plantas] pode influenciar suas estruturas genéticas”, afirmou.

Os pesquisadores não encontraram evidências do efeito do desmatamento sobre a diferenciação genética de populações da planta.

Uma das hipóteses levantadas por eles é que a alta capacidade de dispersão e colonização dessa espécie de planta promove o fluxo de genes da árvore em toda a região do Canal do Panamá, independentemente da cobertura florestal.

“As populações dessa espécie de planta conseguem manter fluxo genético mesmo através de áreas desmatadas”, disse Jaffé. “Os polinizadores e dispersores de sementes conseguem visitar as plantas, atravessar áreas desmatadas e polinizar as plantas de populações situadas em outros locais”, afirmou.

Os pesquisadores também observaram que essa espécie de planta, que vive, em média, 64,3 anos, e gera sementes pela primeira vez em seis anos, também em média, é capaz de manter alta diversidade genética, independentemente da quantidade de floresta que a circunda.

“Esse conjunto de características torna a Miconia affinis uma ótima candidata para ser usada em programas de reflorestamento”, disse Jaffé.

O artigo “Elevation, not deforestation, promotes genetic differentiation in a pioneer tropical tree” (doi: 10.1371/journal.pone.0156694), de Jaffé e outros, pode ser lido na revista PLoS One em journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0156694#sec010
Pesquisadores da University of Texas em Austin, nos EUA, em colaboração com colegas da USP, constatam que Miconia affinis mantém alta diversidade e fluxo genético entre fragmentos florestais (Flor de Miconia affinis/Antonio R. Castilla)
Planta presente no Brasil é capaz de colonizar áreas 

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