segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Da floresta para o prato


Campinas, 07 de novembro de 2016 a 20 de novembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 674

Pesquisador desenvolve processo de industrialização do tucumã-do-Amazonas para utilização culinária

Texto: Carmo Gallo Netto Fotos: Divulgação Antonio Scarpinetti Edição de Imagens: André Vieira
Fruto popular no Estado que lhe dá o nome, o tucumã-do-Amazonas tem sua polpa utilizada principalmente para compor o recheio do popular sanduíche regional conhecido como X-caboquinho ou da tapioca, e também na composição de pratos locais.

Os cocos do fruto, que se desenvolvem em cachos, têm em média aproximadamente cinco centímetros de diâmetro, uma polpa de pequena espessura, recoberta por uma casca fina, facilmente removível, e um caroço que ocupa grande parte de seu volume. Da polpa, que corresponde a apenas 28% da massa do coco – que é oleosa, de coloração que varia do amarelo ao laranja e tem consistência semelhante à manga mais firme, são comercializados anualmente, em Manaus, cerca de 370 toneladas, das quais mais da metade vendidas na forma fatiada, o que demonstra a preferência do consumidor pela praticidade.

Mesmo com a popularidade do uso e da significativa atividade econômica envolvida, são raras as referências sobre o processamento da polpa de tucumã-do-Amazonas, sendo a despolpa realizada ainda de modo manual e a polpa pouco resiste à deterioração (cinco dias em geladeira), o que restringe o seu comércio à informalidade e ao Estado do Amazonas.

Estas circunstâncias motivaram o biólogo manauara Alisson dos Reis Canto a desenvolver junto ao Departamento de Ciência de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), orientado pelo professor Marcelo Alexandre Prado, pesquisa objetivando o estabelecimento de parâmetros para o processamento da produção de conserva da polpa de tucumã-do-Amazonas e a avaliação de sua estabilidade durante o tempo de armazenamento sem utilização de refrigeração.

O produto proposto pelo pesquisador utiliza a associação de dois métodos de conservação: o tratamento térmico e a acidificação da polpa, obtida pela manutenção desta em solução contendo ácido cítrico, açúcar e sal. Ele estudou a melhor concentração desses componentes na solução de forma que a polpa apresentasse a menor alteração possível de textura, sabor e cor, e atendesse o gosto dos consumidores do produto in natura, o que foi comprovado com a utilização de testes sensoriais.

A expectativa é que a polpa possa ser industrializada no Amazonas por cooperativas, mesmo porque, como parte do fruto vem da atividade extrativista do interior do Estado, o ribeirinho, em vez de apenas comercializá-lo, lhe agregaria valor, gerando empregos nas comunidades mais distantes da capital. Ele destaca que isso seria facilitado porque o processo desenvolvido é simples, não envolve grande aparato tecnológico e nem necessidade de refrigeração durante a comercialização.

Essa perspectiva seria altamente desejável quando se sabe que, embora exista um cultivo em Rio Preto da Eva, cidade próxima a Manaus, que não chega a suprir 10% do mercado, o coco é essencialmente proveniente do extrativismo. Para o autor, o cultivo é problemático por falta desse hábito na região e pelo fato da semente levar até dois anos para germinar e a planta formada produzir apenas depois de cinco anos.

Outra vantagem da industrialização seria comercializar a polpa na entressafra, mesmo porque, próximo de Manaus a safra ocorre de fevereiro a agosto, com pico em abril, embora existam regiões do Estado em que a frutificação acontece em períodos diferentes do ano.
Fases da pesquisa

Na primeira etapa da pesquisa, que se estendeu por quatro anos, o autor dedicou-se, no primeiro deles, a verificar durante a safra e entressafra se o fruto, proveniente do extrativismo, mantinha os principais padrões de qualidade necessários à sua industrialização, como variações de cor, maturação e espessura da polpa.

Vencida esta etapa, ele passou ao pré-processamento da polpa que, no caso, é denominado de branqueamento. Trata-se de um processo térmico brando que inativa enzimas, promovendo também a remoção do ar retido nas regiões intracelulares e amolecimento dos tecidos vegetais, o que facilita o enchimento das embalagens do produto. Como não havia estudos a respeito, ele teve que determinar a temperatura e o tempo para o branqueamento da polpa de tucumã-do-Amazonas que não levasse ao subprocessamento, não inativação das enzimas, ou ao superprocessamento, que levaria a degradações indesejáveis de cor e textura, além da perda de nutrientes.

Tendo em conta a temperatura e tempo de branqueamento o pesquisador passou ao processamento propriamente dito, em que se dedicou a estabelecer a melhor composição do líquido de cobertura constituído de água, ácido cítrico, açúcar e sal, além do tempo para o processamento térmico. Com base em um planejamento estatístico, ele estabeleceu 15 formulações diferentes.

Todas as polpas submetidas a essas formulações passaram então por dois diferentes testes sensoriais com um público acostumado ao consumo da polpa in natura: o primeiro, apenas com a polpa processada, e o segundo, com ela na composição do X-caboquinho. Foram detectadas as formulações mais aceitas, o que possibilitou a escolha que envolvia a menor adição de cloreto de sódio e açúcar em concentração intermediária dentre as formulações testadas, o que além de diminuir os custos industriais contribui para a saúde do consumidor. Para o autor, os resultados sugerem que o produto em conserva está apto a ser industrializado, pois mais de 50% dos participantes declararam que certamente o comprariam ou provavelmente o comprariam. Com vistas a eliminar fatores subjetivos, ele também utilizou análises instrumentais que permitem determinar os parâmetros que devem ser seguidos nos processamentos industriais para chegar ao produto desejado.

Por fim, utilizando análises bimensais da cor, textura e composição química da polpa em conserva ele chegou à determinação do seu tempo de prateleira, que é de pelo menos 300 dias, mantido no escuro ou sob a ação da luz e sem refrigeração.
Constatações

O que diferencia o produto natural do em conserva, e os testes sensoriais revelam isso, é que este é um pouco mais claro na cor - em decorrência principalmente da etapa do branqueamento, mais ácido - devido ao ácido cítrico presente no líquido de cobertura, e um pouco mais suculento - por causa da absorção de água.

Para Alisson, a polpa in natura tem gosto tendendo ao amanteigado, por ser rica em lipídios (gorduras), o que explica sua combinação com queijos, deixando ao final um sabor levemente adocicado, o que explica também a sua combinação com ingredientes de sabor doce, como a banana da terra. Em relação ao produto processado, ele o compara ao palmito em conserva em relação à textura. Quanto ao sabor, o produto se mostra menos amanteigado que o natural em decorrência do teor de lipídios que cai de até 50% após o processamento, o que de certa forma é benéfico para a saúde.

Outro aspecto importante a ser ressaltado é que o processamento não altera substancialmente o teor de betacaroteno original, poderoso antioxidante e precursor da vitamina A no organismo. Além disso, o produto mostrou-se estável para comercialização em até 10 meses sem refrigeração, tempo bem maior quando comparado à polpa minimamente processada que resiste à estocagem em refrigeração por até 20 dias.

Os testes sensoriais credenciam o autor do trabalho a afirmar que aparentemente o produto industrializado pode substituir o natural como ingrediente culinário, situação em que as diferenças sensoriais entre um e outro se minimizam. Ele conclui: “Conseguimos um produto estável à temperatura ambiente, muito importante para a região Norte, onde as temperaturas são altas, e que oferece a praticidade que o consumidor procura, evitando o trabalho de descascar o fruto e separar a polpa do caroço. Isso foi obtido utilizado um processo relativamente barato e tecnologicamente simples, passível de ser adotado em cooperativas, permitindo a industrialização nos picos de frutificação e a comercialização deste excedente na entressafra, quando a polpa de tucumã fica muito mais cara”.

Publicação

Tese: “Processamento da polpa de tucumã-do-Amazonas (Astrocaryum aculeatum) em conserva e avaliação da estabilidade durante o armazenamento”
Autor: Alisson dos Reis Canto
Orientador: Marcelo Alexandre Prado
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

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