segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Quando a obesidade dá os primeiros sinais

Campinas, 21 de novembro de 2016 a 27 de novembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 675

Estudo com conclusões inéditas associa disfunções no hipotálamo a comprometimento do controle da saciedade em crianças

Edição de Imagens: André Vieira
Em estudo de doutorado da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, realizado entre 2014 e 2015 no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade, crianças e adolescentes obesos apresentaram sinais radiológicos sugestivos de gliose [alteração da substância branca] no hipotálamo. Esse achado pode estar associado ao comprometimento da função de controle do apetite e da saciedade na obesidade infantil, segundo a pesquisadora Letícia Espósito Sewaybricker.

De acordo com a autora do trabalho, que é pediatra, essa é a primeira investigação que comprova que o hipotálamo pode ser funcional e estruturalmente afetado na obesidade infantil, visto que ele é a área responsável pelo controle do balanço energético e da manutenção do peso corporal. O que existiam até aqui eram estudos envolvendo adultos e modelos animais. Com crianças, esse é um resultado inédito.

O trabalho trouxe várias outras constatações: em estudos funcionais, o hipotálamo das crianças obesas apresentou uma resposta diminuída em relação ao que deveria, quando ingeriam bebidas superdoces [de glicose]. Essas crianças também mostraram uma menor conexão entre o hipotálamo e o restante do cérebro, em comparação a crianças com peso normal.

A doutoranda avaliou a composição corporal e as dosagens de hormônios da saciedade e dos marcadores inflamatórios. Dentre as principais descobertas, ela encontrou correlação entre os menores sinais funcionais do hipotálamo e a maior presença de gliose no núcleo médio basal hipotalâmico das crianças e adolescentes com obesidade.

Essa alteração no tecido hipotalâmico esteve diretamente relacionada à quantidade de gordura corporal e em especial à quantidade de gordura visceral [na região da cintura], sabidamente a de maior risco metabólico.

Letícia também verificou associação entre os sinais de gliose e os níveis séricos de leptina [hormônio que desempenha papel-chave na regulação, ingestão e no gasto energético].

Ela chegou a todas essas conclusões ao abordar em sua tese como a obesidade recebe influência do hipotálamo e como ele funciona em crianças e adolescentes com obesidade. Para isso, ela estudou 12 crianças com obesidade e 11 adolescentes com peso normal que tinham idade entre 9 e 17 anos em acompanhamento no Ambulatório de Obesidade e no Ambulatório de Pediatria Geral do HC.

A tese, desenvolvida em linha de pesquisa que envolve “Endocrinopediatria, neuroimagem e imunologia”, dentro do programa de pós-graduação de Saúde da Criança e do Adolescente, foi orientada pelos docentes da FCM Gil Guerra Júnior e Lício Velloso.

Imagens

A pesquisadora trabalhou com métodos de imagem diferentes, entre eles a ressonância magnética quantitativa [chamada mapa paramétrico T2] e a ressonância magnética funcional.

Na ressonância quantitativa, foi verificada a qualidade do tecido através de parâmetros quantitativos. Com isso, foi possível detectar sinais de gliose – que age como uma espécie de cicatriz que se forma pela proliferação de células inflamatórias.

Na segunda ressonância, as imagens significativas foram identificadas funcionalmente no cérebro. A ideia era detectar alguma atividade neuronal com irrigação sanguínea mais intensa. No caso das crianças e adolescentes obesos avaliados, eles apresentaram uma atividade neuronal menor.

Em estudos com animais, houve indícios de que uma dieta rica em gordura poderia ser a causa dessa inflamação no hipotálamo e de que ela aparece antes mesmo da obesidade estar instalada.

Quando se altera o controle do apetite, forma-se um círculo vicioso em que a pessoa (ou o animal) se alimenta mais, não percebe que já está satisfeita e então passa a fazer uma alimentação excessiva. Com isso, vai ganhando peso, e a tendência é de que a inflamação somente piore esse quadro.

A despeito da gliose poder estar associada à causa da obesidade, em estudos com humanos ainda não se chegou a essa conclusão. “Esperamos que novos estudos em breve possam esclarecer essa dúvida”, ressaltou.
Sobrepeso e obesidade 

Letícia comentou que, em estudo recente publicado na revista Lancet, comprovou- se que, particularmente em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ainda se nota um aumento na prevalência da obesidade em ritmo acelerado em adultos [homens e mulheres].

Também conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, no Brasil mais de 30% da população pediátrica já têm pelo menos sobrepeso. Trata-se de um número espantoso. Em países como os Estados Unidos e o Canadá, atualmente a estimativa é de que haja entre 20% e 25% de prevalência de sobrepeso e obesidade nessa população. Esses percentuais já foram até maiores, sobretudo nos Estados Unidos.

Nesse momento, os EUA já estão entrando em uma fase de estagnação com algumas medidas envolvendo dieta, atividade física, tratamentos mais rigorosos e mais imperativos, principalmente por decisão do Conselho Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). É que em 2014 foi aprovado o Plano de Ação para Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes, considerada então de proporções epidêmicas.

Hoje, os norte-americanos têm buscado incentivar a amamentação para reduzir as taxas de obesidade ou de excesso de peso em cerca de 10% da sua população. Na fase escolar, têm inibido propagandas de alimentos ricos em açúcar e gordura, por meio de projetos de lei que vetam a venda casada de comida e brindes para o público infantil, encorajando a oferta de alimentos mais saudáveis nas escolas, em oposição aos junk foods.

“Com a inserção de iniciativas como essas, criou-se um platô no aumento do número de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Mas, no Brasil, estamos vivendo uma fase que os EUA, o Canadá e a Europa já passaram há algum tempo – de intenso aumento da obesidade”, revelou a pediatra.

Para ela, foi surpreendente constatar que, em crianças com média de idade de 12 anos, já se pudesse identificar que o centro-chave de controle para o comportamento alimentar tivesse uma alteração tecidual e que o funcionamento dele também se mostrasse já alterado.

“No Brasil, ainda fala-se pouco, nas estâncias decisórias, sobre os malefícios da obesidade e a necessidade de exterminá-la. Mas tenho a impressão de que temos sementes sendo plantadas e que elas agora começam a germinar. Podemos ver no momento alguns projetos não tão populares ainda sendo discutidos”, expôs Letícia.

O Ambulatório da Criança e do Adolescente da Unicamp, por exemplo, já completou 11 anos de atividade. Na primeira consulta, esse ambulatório tem promovido, de rotina, reuniões de acolhimento às famílias, às crianças e aos adolescentes, abordando aspectos relevantes como atividade física, nutrição, cuidado médico e de enfermagem.

Enquanto realizava sua pesquisa, Letícia contou que mais de 400 pacientes estavam em atendimento nesse ambulatório. “No SUS como um todo, existe uma demanda reprimida para suporte com relação a essas crianças com sobrepeso e obesidade. Muitos pediatras nos centros de saúde tentam cuidar desses casos, deixando os mais graves para os ambulatórios dos hospitais terciários (de maior complexidade), como a Unicamp”, assinalou.

Falta ainda um bom caminho a ser percorrido na assistência aos pacientes pediátricos, frisou a autora do estudo, com diferentes abordagens, com novas pesquisas, com novas terapias e com novas formas mais eficientes de prevenção. “Acho que daí o papel da universidade, como centro especializado, se tornará ainda mais aplicado”, enfatizou.

Deste modo, as pessoas teriam mais informações, fariam escolhas mais acertadas a respeito do que comer, como comer e quanto comer, e buscariam um maior suporte psicológico, pois a relação das famílias com essas crianças às vezes é complicada, pela dificuldade de frustrá-las. “Também deveria-se possibilitar que as pessoas fossem mais ativas, que praticassem mais atividades e combatessem de frente o sedentarismo. Logo, são diversas frentes do cuidar”, pontuou.

A obesidade também foi um dos temas contemplados pela reforma curricular da FCM, disse Letícia. A pediatra integrou a primeira turma da reforma (2001): a 39ª. “Tivemos uma troca interessante com os veteranos, e o novo currículo foi ampliado, valorizando temas que de fato merecem destaque. Afinal, no dia a dia de um centro de saúde, por exemplo, a obesidade é quase uma rotina”, lamentou.

Publicação

Tese: “Avaliação da disfunção hipotalâmica em crianças e adolescentes com obesidade”
Autora: Letícia Espósito Sewaybricker
Orientador: Gil Guerra-Júnior
Coorientador: Lício Velloso
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Fapesp e Capes

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